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Novo Chile

País refará Constituição por justa demanda popular; que não ceda ao populismo

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Votação do Chile que decidiu por uma nova Constituição - Javier Torres/AFP

Consequência mais relevante dos colossais protestos populares que há um ano tomaram o Chile, a votação realizada no domingo (25), ao decidir pela elaboração de uma nova Constituição, marca uma ruptura histórica no país sul-americano de melhor desempenho econômico nas últimas quatro décadas.

Por quase 80% dos votos, os chilenos aprovaram a substituição da Carta engendrada em 1980, durante o regime do ditador Augusto Pinochet —que durou de 1973 a 1990 e foi marcado por torturas, mortes, desaparecimentos e violações sistemáticas de direitos humanos.

Os eleitores também decidiram que o novo documento será redigido por uma Assembleia Constituinte sem a participação dos atuais legisladores. Esta deverá ser sufragada em abril do ano que vem, com metade das vagas ocupadas por mulheres e metade por homens.

A orientação liberal da política econômica chilena desde o período autoritária proporcionou as maiores taxas de crescimento do Produto Interno Bruto do continente. Esse sucesso, entretanto, não impediu insatisfações da sociedade, mais agudas recentemente.

Segundo dados do Fundo Monetário Internacional, a renda per capita do país, ajustada pelo poder de compra da moeda local, elevou-se em 162% desde 1980 e chega a US$ 22,2 mil. Em comparação, a brasileira, de US$ 13,8 mil, subiu apenas 21% no mesmo período.

Para um país de relativa prosperidade, entretanto, o Chile oferece serviços públicos modestos a sua população. Pela metodologia do FMI, seu gasto público equivale a 24% do PIB; no Brasil, que de longe ostenta a maior despesa entre emergentes, são 48% (ou 41%, se descontados juros da dívida).

Reside justamente nesse ponto, o da maior participação do Estado, o fulcro das demandas expressas pelos manifestantes.

Embora tenha recebido diversas emendas, a Constituição chilena distingue-se pelo estímulo à atuação de entes privados nas áreas de educação e saúde, bem como pelos parcos mecanismos de proteção dos trabalhadores.

O mesmo se verifica no sistema previdenciário, talvez o principal ponto de insatisfação social. O Chile adota um modelo de capitalização individual, com pouca ou nenhuma participação estatal.
Como resultado, os segurados recebem, em média, de 30% a 40% do último salário na ativa, cifra que gira em torno de US$ 400 (R$ 2.247), abaixo do salário mínimo chileno.

Consagrada a decisão por um novo contrato social, começa agora uma longa jornada, que dificilmente deixará de ser objeto de tensões e disputas. O processo constituinte ocorrerá entre meados de 2021 e 2022 num ambiente de alta polarização política e ansiedade popular.

Que esse momento crucial da história chilena seja conduzido com serenidade e equilíbrio —e que o previsível afã de atender às demandas represadas nas últimas décadas não recaia em tentações populistas e demagógicas tão frequentes na tradição latino-americana.

editoriais@grupofolha.com.br

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