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África

Permutações

Em novo livro, Achille Mbembe diagnostica o estado de um planeta em combustão, no qual Estado de exceção e Estado de emergência se tornam permanentes

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Serge Katembera

Em seu novo livro, "Brutalisme" (La Découverte), o filósofo camaronês Achille Mbembe ressalta a inoperância dos binarismos para significar o mundo atual. Humano/máquina, fim/meio, material/imaterial, natural/artificial são oposições que não dão mais conta da realidade. A lógica das dicotomias foi substituída pela lógica das permutações.

O filósofo camaronês Achille Mbembe, em 2017 - Daniel Bockwoldt/AFP

A crise da Covid-19 instaura no Ocidente uma nova realidade, que confronta suas populações a regimes de exceção conhecidos apenas pelas gerações que vivenciaram a Segunda Guerra Mundial.

A segunda onda de contágio da Covid na Europa leva alguns Estados a adotarem o toque de recolher como medida de contenção da transmissão do vírus. Trata-se de medida excepcional, usada em países em situação de guerra ou grave crise de segurança. Poucas vezes se viu, no século 20, a adoção de tal medida em tempos de paz.

Nas minhas memórias, lembro de o Estado congolês decretar o toque de recolher na capital para efetuar buscas de armas de fogo em todas as residências. Eram tempos de guerra.

A tese de Mbembe em "Brutalisme" é a de uma unificação do mundo. Se preferirem, do "devir-africano do mundo".

Mbembe diagnostica o estado de um planeta em combustão, no qual, em diferentes latitudes e hemisférios, Estado de exceção e Estado de emergência se tornam permanentes. Com a crise global da Covid-19, os governantes adotam um discurso bélico para nomear a natureza do perigo que o mundo enfrentava. "Estamos em guerra"; "É o maior desafio da nossa geração desde a Segunda Guerra Mundial". Frases como essas são pronunciadas por governantes e autoridades militares.

Não surpreende, portanto, que, diante de uma segunda onda de contágio, Estados europeus e sul-americanos adotem como método de prevenção uma medida excepcional como o toque de recolher. Nesse caso, a exceção advém de uma crise sanitária.

A permutação da realidade consiste no fato de que, em tempos de paz, o Ocidente se vê obrigado a confinar suas populações e a restringir e limitar drasticamente sua mobilidade, ao passo que nos países africanos, onde o Estado é, em grande medida, falido, confinamento e toque de recolher parecem ser medidas pouco factíveis.

O Estado moderno ocidental nasce como o Golem, mas cumpre o destino da criatura de Frankenstein ao devorar seus criadores e suas liberdades. O Estado falido africano, paradoxalmente, por sua característica inoperância, se configura como uma ilha de preservação da liberdade. No entanto, uma liberdade de caráter excepcional.

Serge Katembera é doutorando em sociologia na UFPB e estuda as tecnologias da informação na democratização da África francófona

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