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Marcos Boulos

Vacina não será panaceia

São desconhecidos o grau de proteção e o efetivo controle da epidemia

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Marcos Boulos

Professor sênior da Faculdade de Medicina da USP e membro do Centro de Contingência do Coronavírus da Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo

Qual o papel da almejada vacina contra a Covid-19, tão anunciada e motivo de disputas políticas, no controle ou na eliminação da pandemia que prevalece entre nós? E quando a teremos, afinal?

Importante destacar que não podemos ainda prever a disponibilidade da vacina, pois ela depende de alguns fatores imprescindíveis: a) término dos estudos científicos que mostrem se ela protege e qual o grau de proteção que conferirá. Não temos esses estudos completados em nenhuma das candidatas, e a previsão de término não depende de nossa vontade, mas sim da efetividade protetora da mesma (são os estudos em fase 3); b) aprovação, pelas agências de vigilância, dos estudos realizados sobre toxicidade e proteção; e c) disponibilidade de infraestrutura para aplicação do imunizante em larga escala (seringas, agulhas, recursos humanos capacitados e suficientes).

O infectologista Marcos Boulos, professor de medicina da USP - Zé Carlos Barretta - 18.jan.17/Folhapress

Este último talvez seja o fator crítico, principalmente se for preciso aplicar mais de uma dose. Provavelmente não haverá essa disponibilidade, pois a competição para obter tais insumos será internacional (lembrem-se dos respiradores). Devido ao acima relatado, a Organização Mundial da Saúde, que acompanha todos os estudos realizados, não prevê a disponibilidade da vacina para seu uso antes da metade de 2021.

Suponhamos, agora, que temos a vacina disponível. Alguns fatos merecem e precisam ser destacados: a) qual grau de proteção conferirá? Está claro que dependemos do fim dos estudos para responder essa questão; porém, pelo que conhecemos de vacinas utilizadas para infecções por vírus respiratórios prevalentes entre nós, dificilmente levará à alta proteção —provavelmente ficará em torno de 60%, defesa esta que varia segundo a faixa etária (protegendo menos os idosos); e b) qual o impacto de uma vacinação universal (em todas as pessoas) no controle da epidemia? Essa questão precisa ser analisada cuidadosamente, pois não raramente tem sido noticiado que a vacina será o fator para que todos “voltem à vida normal”.

Introduzirei aqui um dado de estudos epidemiológicos, realizados há algum tempo, na iminência da obtenção de uma vacina contra a infecção pelo HIV: se a vacina fosse 98% protetora, ou seja, apenas 2 pessoas em cada 100 vacinadas poderiam pegar a infecção, isso levaria, surpreendentemente, a um aumento, e não à diminuição da epidemia em razão da falsa segurança dos vacinados, que abandonariam a necessária prevenção.

Imaginem agora o impacto de uma vacina que não protege 40 de cada 100 vacinados com a volta à vida normal! Sem máscaras e sem confinamento dos poucos que ainda estão aderindo, teremos um grande recrudescimento da epidemia, pondo por terra todo o esforço realizado para minorar o nefasto impacto da doença entre nós.

Meu Deus! E agora? Não temos saída? Nesse caso, não podemos esperar ajuda de fora. A epidemia, gradativamente, vai embora —como todas as outras. Porém, a ajuda terá de vir de dentro de nós. Só com a conscientização da doença, que está aqui, e não alhures, e com amor à vida —que permite me preservar e àqueles que amo através do uso contínuo de máscaras e evitando as aglomerações— poderemos chegar ao tão desejado final da epidemia com o menor dano possível.

A partir daí, o tão esperado abraço chegará com todos presentes.

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