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Nelson Marconi

A esperança é o projeto de Ciro

Um país só é próspero com ação conjunta das forças de mercado e do Estado

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Nelson Marconi

Professor da FGV-Eaesp, é coordenador do Centro de Estudos do Novo Desenvolvimentismo na Fundação Getulio Vargas

Em sua coluna nesta Folha (“A esperança de Ciro fica a dever”; 8.nov.20), Samuel Pessôa criticou o recente livro de Ciro Gomes, “Projeto Nacional: O Dever da Esperança”.

Nada além do esperado, até demorou demais. Ciro segue os preceitos das teorias que melhor explicam o processo histórico de desenvolvimento dos diversos países, e que a observação empírica comprova, desde a Inglaterra nos primórdios até a Ásia atual: para o país ser bem-sucedido, é necessária uma estratégia contínua de ação conjunta das forças de mercado e do Estado, de modo a auxiliar as empresas a aumentarem a sua competitividade e a acelerar o processo de inclusão social e distribuição de renda. Um dos melhores livros que descreve esse processo é “Como os países ricos ficaram ricos... e por que os países pobres continuam pobres”, de Erik Reinert.

Pensando na práxis, o que dizer então do “intervencionista” governo alemão, que lançou uma “estratégia de desenvolvimento industrial” com metas para 2030? E do recente plano de reativação da União Europeia, que prevê apoio ao investimento privado em energia limpa e tecnologias essenciais? E da China então, país que mais cresce no mundo há anos, na qual o planejamento e as parcerias público-privadas são essenciais? Até o FMI defende hoje a política industrial, ou de reestruturação do sistema produtivo, se assim quiserem chamar.

Samuel, por sua vez, quer desconstruir a explicação consensual sobre o processo de desenvolvimento econômico do Brasil no século 20 e dizer que o problema básico foi a ausência de investimento na educação, o intervencionismo e, após a Constituição de 1988, o desequilíbrio fiscal.

Bem, a necessidade de priorizar o investimento em educação é óbvia; a experiência cearense sob o comando de Ciro e seus aliados, e seus resultados mundialmente reconhecidos, indica como fazê-lo. O equilíbrio fiscal a longo prazo (e não o “austericídio”) também é essencial para o Estado coordenar o processo de desenvolvimento e realizar os investimentos públicos que integram essa estratégia; não é à toa que Ciro conseguiu recomprar a dívida pública do Ceará junto ao mercado quando foi governador e elevar os investimentos.

Por outro lado, não é óbvio —e Samuel certamente não discute esse ponto— que o processo de desenvolvimento é uma luta feroz entre as nações, que brigam para se posicionar melhor e, assim, defender seus interesses e os de seus cidadãos. Lembremos a atual disputa em torno do 5G e a recente compra, por parte do governo alemão, da participação em uma empresa de alta biotecnologia para evitar a sua aquisição por chineses, assim como os americanos têm feito em relação às suas empresas.

Além disso, para que uma estratégia de desenvolvimento seja bem-sucedida, as políticas macroeconômicas, de desenvolvimento industrial, científico, tecnológico e comercial e de infraestrutura devem ser consistentes e alinhadas aos interesses do país e à estratégia de desenvolvimento. Não basta educar a população e possuir equilíbrio fiscal; é preciso que o setor privado demande a contratação das pessoas mais educadas.

Dados do Sistema de Contas Nacionais mostram que, em 2017, 68% das ocupações no Brasil se concentravam em setores de baixo conteúdo tecnológico, que pagavam remunerações equivalentes a 62% da média nacional; enquanto isso, 2,5% das ocupações encontravam-se em setores de médio-alto e alto conteúdo tecnológico, que praticavam remunerações 2,7 vezes superior à mesma média.

O mercado, por si só, não vai resolver esse desequilíbrio; as políticas públicas precisam criar condições para que a rentabilidade privada nos setores mais sofisticados se eleve, pois é menor em economias como a brasileira, e com isso eles demandem mais trabalhadores. Não há outra forma de alcançar o progresso. Não será com estratégias liberalizantes que reduzam a atuação do Estado a políticas sociais compensatórias que seremos bem-sucedidos.

Samuel chama de maniqueísta a visão de Ciro, um político que conhece perfeitamente a história e os interesses dos grupos econômicos no Brasil e no mundo. Por outro lado, o colunista tenta se apresentar como neutro, pretensiosamente técnico e isento de influências políticas, o que é impossível nessa discussão. Porém, o modelo de desenvolvimento adotado por um país implica prevalência de setores e grupos de agentes econômicos no processo de desenvolvimento. Que isso fique muito claro.

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