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Renato Janine Ribeiro

Alunos das escolas públicas: não desistam da universidade

Direito à metade das vagas no ensino superior federal continua valendo

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Renato Janine Ribeiro

Professor titular de ética e filosofia política da USP, é presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência) e ex-ministro da Educação (governo Dilma, 2015); autor de ‘A Pátria Educadora em Colapso’ (ed. Três Estrelas)

Vejo muitas pessoas, especialistas ou não em educação, preocupadas. Temem que a falta de aulas presenciais impeça o acesso dos alunos de baixa renda —que na grande maioria estudam em escolas públicas— ao curso superior caso se saiam mal no próximo Enem. Mas quero esclarecer que esses estudantes continuam tendo direito às cotas, porque o ingresso nas universidades e institutos federais usa, sim, os resultados do Enem, mas se dá pelo Sisu, ou Sistema de Seleção Unificada.

Desde 2012, a lei federal 12.711, chamada de Lei de Cotas, reserva metade das vagas de cada curso superior federal a quem fez o ensino médio, inteiro, em escolas públicas. São cotas ditas “sociais”.

O professor da USP e ex-ministro da Educação Renato Janine Ribeiro na cerimônia de entrega do "Prêmio Empreendedor Social", no Teatro Porto Seguro, em São Paulo - Mathilde Missioneiro - 5.nov.19/Folhapress

Muita gente não sabe disso e afirma que, em vez de cotas étnicas, deveríamos ter cotas para os mais pobres. Pois é, elas já existem: os mais pobres geralmente cursam escolas públicas.

As cotas étnicas são um subconjunto dessa metade. Ou seja, afrodescendentes, indígenas e seus descendentes só se beneficiam de cotas se tiverem feito todo o curso médio em escolas públicas. E têm direito a um porcentual dessas vagas na proporção de sua população no estado em que está o curso desejado.

Mas que fique claro: o Enem não tem cotas. Ele apenas dá as notas. Com base nelas, o aluno interessado se inscreve no Sisu para escolher o curso em que deseja estudar.

As cotas estão no Sisu, não no Enem. Assim, mesmo que os alunos de escolas públicas tenham aproveitamento inferior ao esperado, por não terem podido acompanhar o ensino remoto emergencial (na falta de computador ou smartphone, de pacote de dados, de banda larga onde moram), continuam com direito à metade das vagas no ensino superior federal.

Daí decorrem três coisas. Primeira, acalmem-se (um pouco). Vocês continuam com direito moral e legal às políticas de inclusão social no ensino superior para tornar nosso país mais justo e mais diverso. A revista Piauí publicou em outubro uma reportagem tocante (“O ano da luta”) sobre jovens pobres que, sem aulas presenciais, têm dificuldades em estudar. Mas não desanimem, estudem. Ninguém desista de seu futuro! Ele está assegurado pelo compromisso que o Brasil assumiu, em lei, de lhes dar oportunidades.

Segunda, dirigentes de instituições de ensino superior: preparem-se, no ano que vem, para atender a alunos que entrarão na faculdade com as chagas deste ano de pandemia. Vários terão menos conhecimento, todos terão mais sofrimento. Ninguém, ninguém mesmo (nem os ricos), chegará ileso ao pós-pandemia. Preparem-se. Acolham.

Terceira, acalmem-se, mas mobilizem-se. O atual governo deixa claro, por palavras e atos, que não tem preocupação com os mais pobres. Pode ser que baixe uma medida provisória, na véspera das matrículas, subvertendo o Sisu e desviando para os mais ricos as vagas criadas na enorme expansão do ensino superior federal após 2003. Se isso acontecer, devemos estar prontos para lutar, inclusive pressionando quem de direito (o Supremo, a presidência do Congresso) para impedir a destruição dos sonhos de quem merece a oportunidade de uma vida melhor.

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