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Cláudio Eugênio

Brasil negro

Aqui, a selvageria é tratada como fato corriqueiro

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Cláudio Eugênio

Jornalista

A pandemia de Covid-19 escancarou as inaceitáveis condições de vida da maioria da população negra brasileira. A urgência sanitária chegou como uma tempestade perfeita para o aprofundamento das desigualdades, que nunca receberam a devida atenção por parte do Estado. Vivemos um dos capítulos mais assustadores do secular genocídio do povo negro.

Variados indicadores socioeconômicos captam este quadro. Basta lembrar que o Brasil é um dos países campeões da desigualdade. A proximidade do marco de 200 mil mortes oficiais pela “praga” chega junto com a constatação de que a grande maioria das vítimas é formada por negros e negras —reflexo das péssimas condições de moradia, trabalho e acesso à saúde.

Depois dos ensaios recentes de políticas afirmativas, nos primeiros anos deste século, vivemos agora a implosão dos direitos conquistados. A promessa de resgate, de reparação, voltou a ser uma miragem.
O fosso socioeconômico aprofundou-se visivelmente. Em Brasília, a menos de três quilômetros da praça dos Três Poderes, é fácil encontrar amostras do desastre social: famílias inteiras vivendo em condições sub-humanas.

Traçando um paralelo entre Brasil e EUA, é nítida a diferença da reação social diante dos excessos e omissões do Estado. Lá, em plena pandemia, a explosão da revolta contra a violência policial incendiou o país. O tema foi central na pauta eleitoral, ponto de inflexão da maior democracia do mundo, e fator determinante para a derrota do ignóbil presidente racista —Donald Trump.

Aqui, a selvageria, liderada pelas forças de segurança, é tratada como fato corriqueiro. Em abril de 2019, o músico Evaldo dos Santos Rosa, 51 anos, foi fuzilado com 80 tiros disparados por militares do Exército, em Guadalupe, na zona oeste do Rio. Os fatos não foram suficientes para obrigar as autoridades a apurar e punir os autores. E não despertaram uma onda de solidariedade que pudesse iniciar um movimento antirracista envolvendo amplos setores sociais interessados em equacionar a questão.

O governo central lidera uma espécie de milícia contra as minorias. E mesmo no caso da maioria, o povo negro, com atitudes depreciativas. Tenta minar a luta ancestral, espelhada nas diversas batalhas dos movimentos negros brasileiros. O que dizer do que foi feito com a Fundação Cultural Palmares, do abandono das ações junto aos quilombos, do escárnio com as religiões de matriz africana?

Equacionado o controle da pandemia, chegará a hora da reconstrução, oportunidade para a sociedade estabelecer uma nova arquitetura social para o país, com foco na inclusão social urgente. Esse caldo de diversidade inclui os povos indígenas, o povo cigano, além de uma imensidão de deserdados.

Mesmo sem expectativa positiva em relação à charanga neoliberal hora no poder, é importante o grito de chamamento para a parcela da nossa sociedade que entendeu o desafio épico. Caso nada seja feito, seguiremos na barbárie, principal material na construção da ruína daquilo que poderia ter sido a nação Brasil.

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