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Gabriel Kanner

Como movimento político, a direita não existe no Brasil

Não há coesão de ideias, planejamento, diálogo e sequer um partido

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Gabriel Kanner

Presidente do Instituto Brasil 200, é formado em relações internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM)

As eleições de 2018 foram atípicas em vários sentidos. Pouco tempo antes, as desastrosas gestões petistas haviam provocado em boa parte da população o sentimento que mais mobiliza as pessoas: o medo.

Impulsionadas pelo medo de que as coisas poderiam piorar ainda mais, dezenas de milhões de brasileiros se manifestaram para derrubar Dilma Rousseff (PT) em 2016. Dois anos depois, a população voltou às urnas. O medo havia sido substituído pela esperança de um novo Brasil. Um Brasil liberto das ideias de esquerda que haviam destruído nossa economia. Liberto dos escândalos de corrupção que nos assolaram e envergonharam. Um Brasil com geração maciça de emprego e renda. Um Brasil que valorizasse a família. Que amasse a Deus. Um Brasil do qual poderíamos finalmente nos orgulhar.

Gabriel Kanner - Formado em Relações Internacionais na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM); trabalhou na empresa de shopping centers Ancar Ivanhoe, e depois na varejista Riachuelo como gerente comercial. Inconformado com os rumos do país, Gabriel decidiu interromper sua carreira como executivo para dedicar-se à causa política. Atualmente é presidente do Instituto Brasil 200.
O presidente do Instituto Brasil 200, Gabriel Kanner - Divulgação

O fenômeno que levou Jair Bolsonaro ao Palácio do Planalto foi a combinação de um forte antipetismo com uma profunda esperança por um país melhor. Teve início um movimento com tamanha força e propulsão que acabou se tornando imbatível na disputa presidencial. Pela primeira vez um presidente havia sido eleito por um partido nanico, sem fundo partidário, sem tempo de TV e sem grandes coligações.

A onda foi tão forte que o inexpressivo PSL saiu de 1 para 52 deputados federais e formou a segunda maior bancada da Câmara dos Deputados. Estreantes na política viraram governadores. Wilson Witzel foi eleito no Rio de Janeiro, e Romeu Zema em Minas Gerais. Enquanto isso, nomes graúdos da “velha política”, como Romero Jucá e Eunício Oliveira, perderam suas reeleições. Foi a vitória da “nova política”! O Brasil havia finalmente conseguido se desvencilhar das amarras do establishment. Uma nova era estava por vir… Até chegarem as eleições municipais de 2020. Neste ano, as forças políticas popularmente chamadas de centrão voltaram ao protagonismo.

O centrão sempre esteve no comando do Brasil. Quando Tancredo Neves morreu, em 1985, lá estava José Sarney, do então PMDB, para assumir o poder. Quando Collor sofreu o impeachment em 1992, lá estava Itamar Franco, também do PMDB, para ficar em seu lugar. Assim como Michel Temer, pasmem, do hoje MDB, assumiu a presidência após a queda de Dilma em 2016.

A ilusão de que o centrão e a “velha política” haviam sido derrotados em 2018 não passou de um breve devaneio. Em 2020, o PP conquistou 184 novas prefeituras, o DEM, 191, o PSD, 113, e o Republicanos, 102. O MDB, embora tenha perdido 27% do seu total, continua o partido com o maior numero de prefeituras: 777. O Rio de Janeiro, após a traumática experiência com o novato Witzel, provavelmente elegerá novamente Eduardo Paes, um velho conhecido dos cariocas. As forças que sempre dominaram a política brasileira estão novamente fortalecidas e recompostas —e não irão a lugar nenhum.

Portanto, fica a dúvida: por que o “movimento imbatível”, como eu mesmo descrevi acima, que elegeu Bolsonaro em 2018, foi incapaz de se articular politicamente em 2020?

A resposta está cada vez mais clara. A direita, como movimento político, simplesmente não existe no Brasil. Não existe coesão de ideias, não existe estratégia, não existe diálogo, não existe sequer partido político! Embriagada e iludida com o fenômeno de 2018, a direita achou que poderia se apoiar exclusivamente na figura do presidente Jair Bolsonaro, sem se organizar e traçar um planejamento para dar continuidade ao trabalho que fora iniciado. As urnas de 2020 deram a resposta.

Enquanto nomes que ascenderam na onda bolsonarista passaram os últimos dois anos se digladiando, a esquerda se renovou e se reinventou com novas estratégias apartadas do lulopetismo e com o fortalecimento do PSOL —e o centrão se articulou novamente para ocupar os espaços que momentaneamente perdeu em 2018.

A direita no Brasil precisa de um partido político, estratégias bem definidas e planejamento de longo prazo. Caso contrário, será incapaz de transformar os valores conservadores presentes na maior parte da população brasileira em representatividade política. Se quiser sobreviver, precisa entender que Bolsonaro não estará aqui para sempre.

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