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Aloisio Araujo e Bruno Ogava

Educação infantil e o novo Fundeb: três pilares para a eficiência

Brasil poderá ter creche e pré-escola de qualidade e romper ciclo de pobreza

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Aloisio Araujo

Professor titular da Escola Brasileira de Economia e Finanças (EPGE/FGV-RJ) e pesquisador emérito do Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada), é assessor especial do ministro da Economia, Paulo Guedes

Bruno Ogava

Bacharel em ciências econômicas pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e doutorando na EPGE/FGV-RJ

O Brasil tem a oportunidade única de romper o ciclo vicioso da pobreza, reduzir desigualdade de oportunidades, promover o desenvolvimento cognitivo de crianças e incluir mulheres no mercado de trabalho com ampliação de creches e pré-escolas de qualidade. O novo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica) aumentará expressivamente o dinheiro público disponível para isso. O perigo é uma expansão desordenada da rede de ensino, que não garanta o mínimo de qualidade.

Para fugir dessa armadilha, é preciso criar um sistema de avaliação capaz de medir os impactos dessa expansão de gastos e aperfeiçoar o ensino. No quadro de restrição fiscal, o melhor é aproveitar estruturas governamentais já existentes para a tarefa. O Inep, órgão responsável por monitorar a qualidade da educação, já realiza pesquisas que podem e devem ser ampliadas para conferir os três pilares de uma revolução educacional.

O primeiro é aplicar em todo o país um exame que ainda é feito em caráter amostral. A cada dois anos, o Sistema de Avaliação do Ensino Básico (Saeb) observa a performance dos estudantes. São medidos os impactos da educação infantil nas habilidades cognitivas, como as capacidades de leitura, escrita e matemática. Entretanto, esse exame não avalia representativamente as redes municipais.

Da mesma forma, o segundo pilar se baseia noutra pesquisa do Inep, o Censo Escolar. Anualmente, são avaliadas a qualidade das instalações e dos professores, além do número de matrículas. É possível saber se há parquinhos, a proporção de crianças por adulto e até o grau de escolaridade dos educadores. No entanto, faltam dados. É possível saber, por exemplo, se é oferecida merenda, mas não se é adequada ou não.

O terceiro pilar trata de outras dimensões do desenvolvimento que ficam de fora dessas duas pesquisas, como as habilidades socioemocionais e psicomotoras; e funções executivas (atenção e memória). Dificilmente isso pode ser medido numa pesquisa padronizada e centralizada, e não existe um consenso internacional de como fazê-lo.

Seria preciso criar centros de estudos descentralizados com pedagogos, psicólogo, médicos, neurocientistas, estatísticos e até profissionais de ciências sociais e economia. Fundações de Amparo à Pesquisa e a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) podem financiar projetos de pesquisa multidisciplinares com parte dos recursos do Fundeb.

Só com um sistema mais flexível é possível acompanhar aspectos relevantes da vida das crianças, como a situação médica, a exposição à violência doméstica e dificuldades de aprendizagem, como transtorno de déficit de atenção e hiperatividade. Com pesquisas de ponta, ainda poderemos avaliar a eficácia de diferentes técnicas de ensino.

Experiências como a da província de Québec (Canadá) mostram que é possível desperdiçar recursos públicos com investimentos malfeitos. Lá houve a universalização do acesso à educação infantil, mas foi observada uma piora no comportamento e nas habilidades motoras e sociais das crianças. Com mais instrumentos, evitaremos repetir os erros.

James Heckman, Nobel em Economia em 2000, mostrou que investimentos em educação infantil figuram entre os usos mais eficientes dos recursos públicos. Estão entre as melhores opções para um governo devido a ganhos de produtividade, maior pagamento de impostos, menor uso de serviços sociais, menor taxa de incidência criminal e menor risco de gravidez. O grupo liderado por Heckman mostrou que os resultados são melhores quanto mais cedo os investimentos forem realizados e que isso aumenta a renda familiar no futuro.

Se o Brasil abraçar os três pilares, garantirá creche e pré-escola de qualidade e romperá o ciclo de pobreza. Pais e, principalmente, mães entrarão no mercado de trabalho. Na prática, o acesso à educação infantil funciona como uma transferência de renda indireta e muda a realidade de um país desigual, onde apenas 23,7% das crianças de 0 a 3 anos das famílias mais pobres frequentam creches e 52,8% das mais ricas têm educação infantil. E esse número não difere a qualidade do ensino que recebem esses dois grupos.

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