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Luiz Guilherme Piva

Empresas, ESG, Apolo e Dionísios

Consumidor, marca e investidor são o tripé para fazer um negócio lucrativo

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Luiz Guilherme Piva

Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e da Política’ (Manole)

ESG (“Environmental, Social and Governance”) é a sigla em inglês para as políticas que as empresas direcionam a questões ambientais, sociais e de governança. Ao lado de “gratidão”, é a expressão mais utilizada no mundo corporativo e no Linkedin. Trata-se, ambos, de termos ambivalentes: abrigam sentimentos bons e úteis, mas também uma dose de tributo forçado.

No caso do ESG, o vetor de adoção de boas práticas tem sido dado, há algum tempo, pelas demandas de consumidores, pela importância mercadológica da marca (“goodwill”) e por exigência de investidores atentos à opinião pública mais influente.

Luiz Guilherme Piva Economista, mestre (UFMG) e doutor (USP) em ciência política e autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e da Política’ (Manole)
O economista Luiz Guilherme Piva, autor de ‘Ladrilhadores e Semeadores’ (Editora 34) e ‘A Miséria da Economia e da Política’ (Manole) - Divulgação

Isso é ótimo e traz benefícios. É positivo que as corporações se comprometam com essas mudanças. E mais, que o façam ouvindo as vozes dos atores que influenciam suas atitudes (“stakeholders”) —por meio de pesquisas, redes sociais, oscilações das ações etc. O mercado e as comunicações interligados mundialmente ecoam tais vozes de modo a ser impossível —e ​burrice— não ouvi-las. Porque, claro, o benefício é também das corporações: consumidor, marca e investidor são o tripé de qualquer empreendimento para fazê-lo lucrativo e consistente.

Aliás, não se pode dizer que o ESG seja o impulso natural dos investidores, banqueiros e empresários. Contamos já uns séculos de ações muito diferentes e até contrárias. Mesmo padrões minimamente civilizados de sua relação com a natureza, os funcionários e o público são muito recentes —alguns conquistados com embates nem sempre pacíficos e adotados, não raramente, a contragosto.

Numa ilustração, usemos a clássica dicotomia entre os deuses gregos Dionísio e Apolo. O primeiro encarna os impulsos e instintos (os excessos). O segundo, a razão e a lógica (o comedimento). Há leituras, contudo, de que não se trata de uma batalha, e sim de que o dionisíaco se adapta ao apolíneo para sobreviver diante dos requerimentos da vida em sociedade.

O avanço das atitudes mais humanitárias, socialmente responsáveis e comedidas das corporações é uma espécie de ascensão desse princípio civilizacional provocado pelos gritos dos que sofrem, individual e coletivamente, os impactos dos comportamentos empresariais historicamente mais rudes ou dionisíacos.

O que lembra outro Dionísio, tirano de Siracusa no século 4 a.C., cujas ações duras contra adversários faziam jus ao nome. Na cidade siciliana há ainda hoje uma caverna chamada Orelha de Dionísio, na qual ele trancava os inimigos e cuja acústica lhe permitia ouvir seus gritos de suplício.

Não que os atendesse. Achava-se ameaçado o tempo todo e por isso agia cruelmente. Para exemplificar seus riscos, deixou, por um dia, seu auxiliar Dâmocles tomar o trono, mas pendurou sobre sua cabeça uma espada presa por um fio.

As práticas de ESG, captadas pelos ouvidos das redes mundiais, atenuam o risco da espada (de consumidores e investidores) sobre as cabeças das corporações. É bom, mas não suficiente. É preciso atuar para além do tripé consumidor, marca e investidor e contribuir mais —via impostos, por exemplo— para o financiamento de saúde, educação, comida, diversão e arte para a maioria da população, excluída tanto dos benefícios públicos quanto dos privados.

Mas há quem já esteja satisfeito. E expresse, sinceramente ou em tributo forçado, gratidão.

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