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Débora Freire

Tema da eleição, os programas de transferência de renda devem ser responsabilidade das prefeituras? SIM

Ainda que haja rigidez normativa, políticas complementares são necessárias

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Débora Freire

Doutora em economia, é professora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG

A teoria normativa do federalismo fiscal estabelece que programas de transferência de renda devem ser de competência do governo central. De acordo com Wallace Oates, estudioso dos temas relacionados ao federalismo, dada a possibilidade de mobilidade dos indivíduos quanto à decisão de moradia, uma política de tributação dos mais ricos com transferência de renda aos mais pobres, no âmbito municipal, poderia atrair pessoas pobres de outras localidades e estimular a saída dos mais ricos, realçando o “trade-off” entre eficiência e equidade.

O próprio Oates admite, no entanto, que, na prática, pode valer a pena incorrer em perda de eficiência se a política pública gerar ganhos decorrentes de inovações na prestação de serviços públicos. O que baseia o argumento de Oates é que, com informação imperfeita, existe um processo no qual os governos aprendem a melhorar as políticas públicas por meio de tentativa e erro.

Assim, há espaço para que iniciativas descentralizadas criem novas modalidades eficientes de políticas, que podem auxiliar o governo central a formular o desenho de uma política unificada e mais abrangente. Foi o que aconteceu com o programa Bolsa Escola, que está na base do Bolsa Família, mas que teve origem em uma iniciativa municipal, em Campinas. Portanto, a própria teoria normativa do federalismo admite que as regras de competências do gasto público, na prática, não são e não devem ser tão precisas, pois isso limitaria a capacidade de se construir boas políticas públicas.

Com a pandemia de Covid-19, ganharam visibilidade a magnitude da população vulnerável e a insuficiência da nossa proteção social. O auxílio emergencial federal, apesar do seu grande êxito em amortecer os efeitos da crise, tem data para acabar. Os gestores municipais encontrarão uma economia local extremamente fragilizada e terão que arrumar meios de dinamizá-la.

O êxito do auxílio emergencial mostrou o potencial dinamizador desse tipo de política em momentos de crise. Não fossem as transferências, consumo, produção, emprego, renda e arrecadação teriam caído muito mais. Os setores mais afetados, como serviços, teriam contraído ainda mais. Assim, é uma política que atinge diretamente os mais pobres, mas que também gera ganhos para toda a população pelos seus efeitos indiretos na atividade econômica. Com o fim do auxílio emergencial, a arrecadação cairá, e os municípios terão problemas inclusive para ofertar serviços públicos básicos que são de sua competência.

Portanto, municípios com capacidade arrecadatória devem sim pensar soluções que, ao mesmo tempo que mitiguem parte da vulnerabilidade social, ajudem a dinamizar suas economias. Vale lembrar, no entanto, que, pela Lei de Responsabilidade Fiscal, a criação de um programa permanente de transferência teria que vir acompanhada de aumento de receitas (ou redução de outras despesas). O financiamento poderia passar pela atualização das plantas de valores do IPTU, além da majoração progressiva de suas alíquotas, e também pela revisão do ISS fixo sobre autônomos, inserindo progressividade.

Temos poucas alternativas para evitarmos o colapso econômico e social com o fim do auxílio emergencial. Progressividade nas políticas públicas, a meu ver, é o único caminho. Não que a sociedade não deva pressionar o governo federal para que este cumpra com suas funções, já que são poucos os municípios que teriam capacidade para colocar em prática um programa modesto de transferência. Mas será necessário lançar mão de políticas complementares nas unidades subnacionais, ainda que se esbarre na rigidez normativa. Em tempos de crise, flexibilidade é característica importante.

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