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Jair de Jesus Mari e Marcelo Feijó de Mello

O negacionismo na saúde mental

Não há sentido em destruir a estrutura existente, mas é preciso mudá-la

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Jair Mari

Professor titular do Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina da Unifesp, é coordenador de Saúde Mental dos Centros Urbanos da World Psichiatric Association

Marcelo Feijó de Mello

Psiquiatra, é professor pleno da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (FICSAE) e livre-docente na Escola Paulista de Medicina (EPM-Unifesp)

Nunca precisamos tanto de uma política de saúde mental efetiva, em plena quarta onda de saúde mental da pandemia. A política de saúde mental, assim como a saúde, deveria se basear em humanismo e na ciência para implementar sistemas eficazes passíveis de contínua avaliação.

O SUS precisa desenvolver um sistema de saúde mental incorporando novas tecnologias adaptadas à nossa realidade, como gestão e teleatendimento. Nosso sistema já se mostrava insuficiente antes da pandemia: ao contrário da tendência mundial, nossas taxas de suicídio têm aumentado, temos a maior prevalência de ansiedade, depressão e transtorno do estresse pós-traumático do mundo. Mesmo em centros mais desenvolvidos, como São Paulo, 56% das pessoas com transtorno mental carecem de algum tipo de cuidado em saúde.

Pacientes no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena, em Minas Gerais - Eduardo Knapp - 19.jan.17/Folhapress

A assistência em saúde é dinâmica, deve se adaptar às mudanças do conhecimento e ser pautada nas necessidades da sociedade. A “reforma psiquiátrica” no Brasil teve um viés ideológico importante. A verdadeira reforma deve se dar no campo da reforma da assistência psiquiátrica, que no SUS é ineficaz e mal financiada, principalmente na saúde mental da infância e adolescência. A psiquiatria como disciplina pertencente ao campo da medicina está naturalmente em constante mudança, com base em sólido conhecimento científico. Não há sentido algum destruir a estrutura existente, mas não há dúvidas da necessidade de mudanças. Ninguém com um mínimo de bom senso pode ser a favor dos manicômios.

Contudo, não há nenhum sistema de saúde mental no mundo que possa prescindir de unidades para admissão de casos agudos. A internação, quando necessária, deve ser de curta duração, respeitando os direitos civis dos cidadãos. O que há de fato é uma confusão entre reforma psiquiátrica (que significa por alguns negar a própria disciplina e a existência do transtorno mental) com reforma da assistência psiquiátrica, que deve sim ser de base comunitária.

Os Caps (Centros de Atenção Psicossocial) são parte fundamental do sistema. Não devemos nem pensar em fechá-los, mas suas intervenções deveriam focar nos portadores de transtornos mentais graves, com intervenções baseadas em evidências científicas e diretrizes consagradas pela comunidade científica.

Há uma grande demanda na rede básica com terapêuticas que poderiam ser efetivadas, assim como uma expansão de ambulatórios especializados (AMEs), que foi interpretada como contrária à luta antimanicomial. Na cidade de São Paulo existe há dez anos um único AME Psiquiatria, ligado à Escola Paulista de Medicina, que recebeu uma acreditação de excelência.

Os governos passam, e a defesa de uma assistência digna e comunitária deve ser uma luta de todos. A doença mental é uma realidade (apesar dos negacionistas) e existem intervenções médicas e psicológicas, de eficácia comprovadas, que podem ser disponibilizadas no SUS para benefício da sociedade.

Nunca nossa sociedade precisou tanto de profissionais de saúde mental, principalmente daqueles que exercem suas práticas referendadas pela comprovação científica, com ética, empatia e compaixão.

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