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José Vicente

Segurança privada sem preconceitos

Contratante tem que manter inegociável o controle dos procedimentos

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José Vicente

Advogado, sociólogo e doutor em educação, é fundador e reitor da Universidade Zumbi dos Palmares, apresentador do programa "Negros em Foco" (TV Cultura), líder do movimento "Cotas sim" e membro do Conselho Editorial da Folha

O assassinato do cidadão negro João Alberto Silveira Freitas, 40, em um supermercado Carrefour de Porto Alegre, revelou, além da selvageria e crueldade dos seguranças contra um cliente, a espantosa e gravíssima omissão dos funcionários na brutal execução criminosa.

Em vez de garantirem o tratamento respeitoso e a integridade física do cliente, agiram de forma condescendente e acumpliciada para assegurar a continuidade das agressões, impedir a tentativa de socorro pela esposa da vítima e ameaçar os que tentavam registrar e evitar a consumação criminosa.
Revelou da mesma forma a complexidade, os desvirtuamentos e o tratamento preconceituoso praticado, em parte, pela segurança privada contra os negros nos shoppings centers e supermercados do país.

Lembremo-nos do assassinato do jovem negro Pedro Henrique Gonzaga, 19, asfixiado pelo segurança de um supermercado Extra no Rio de Janeiro; a agressão e tortura de outro jovem negro, no supermercado Ricoy, na zona sul de São Paulo; e as milhares de denúncias de agressões e hostilizações de negros por parte de seguranças e vigilantes privados.

Maior exército da América do Sul, o complexo da segurança privada regular, especializada e orgânica conta com mais de 4.000 empresas, 650 mil homens ativos e 650 mil inativos. A ele se junta a segurança irregular, a informal e os avulsos e “bicos”, estes praticados principalmente por policiais. Há, ainda, as seguranças piratas das milícias e mesmo o crime organizado de toda natureza, que cobra pedágio, extorque dinheiro de pequenos e médios comerciantes e intimida pessoas no exercício da sua livre escolha de consumo.

Estruturada legalmente como força complementar da segurança pública, as empresas de segurança privada tem como proprietários, são geridas ​e/ou possuem entre seus funcionários grande número de policiais civis e militares. Seus treinamentos, qualificações, capacitações e ações, por conseguinte, estão embebidos num pensamento de segurança que privilegia o patrimônio —e, em grande medida, são capturados pelo tradicional imaginário do inimigo a ser identificado, combatido e mesmo eliminado. Logo, dificilmente o resultado final restará descontaminado dos vieses e vícios da segurança publica, em geral na determinação dos representantes do perigo social. Em outras palavras, negros e pobres.

Desta forma, resultam urgentes mudanças e aprimoramentos nesse universo complexo e de pouco conhecimento, controle e atenção da sociedade. Seja na revisão e aprimoramento legislativo para separar o joio do trigo e proteger as empresas regulares e os bons profissionais, seja para introduzir e promover uma cultura de tolerância e acolhimento que substitua a visão patrimonialista e os olhares e juízos preconceituosos e racistas da segurança privada em shoppings e supermercados.

Por outro lado, tanto quanto a preocupação de equalização dos custos na contratação da segurança, é indispensável que a empresa não faça concessão no controle da regularidade, formalidade e controle da qualidade da segurança orgânica ou especializada. A empresa tem que manter inegociável o controle dos valores, processo e procedimentos da segurança terceirizada e, principalmente, não deve negligenciar com os antecedentes nem deixar de tratar criteriosa e assertivamente as informações e registros da sua segurança.

Supermercados, shoppings e empresas de segurança devem trabalhar conjunta e decisivamente para garantir, prestigiar e valorizar a empatia, a amistosidade e a cordialidade entre todos os atores desses espaços de consumo e lazer.

Devem atuar para tornar prazerosa, respeitosa e segura a experiência de compra dos clientes negros nesses ambientes. Devem, por fim, emergencial e inexoravelmente, treinar e qualificar seus profissionais no combate ao racismo e à discriminação racial e na promoção do tratamento justo e respeitoso a todos os interagentes dessa cadeia, sem distinção de cor ou de raça.

Sem combater vigorosamente o racismo e o preconceito, todos perdem. Agressores presos, vítima morta, família negra enlutada, família branca destruída, categorias profissionais constrangidas, empresa estigmatizada e com a reputação achincalhada. E a sociedade agredida e frustrada.

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