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Luis Cosme Pinto

Um passinho à frente, por favor

Prefeitos andam de ônibus? É quente; é velho; é sujo; é lento

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Luis Cosme Pinto

Jornalista, mora em São Paulo

É hábito antigo, que vem das carroças, passou pelos bondes e se mantém até hoje. Autoridades brasileiras não usam transporte coletivo. Os ônibus são bom exemplo. Qual prefeito de nossas mais de 5.000 cidades passa pela catraca? É quente. É velho. É sujo. É lento.

Dá para dizer, sem medo de cometer injustiça, que quase todo político até aceita o carro oficial, mas curte mesmo é o banco macio de um helicóptero. É fresquinho. É novo. É limpo. É rápido.

Também é de graça, porque tem uma multidão de otários para pagar. Por outros caminhos e com os pés no chão, cerca de 3 milhões de cidadãos viajam todo os dias nos ônibus paulistanos.

Os R$ 4,40 de cada passageiro, mais o dinheiro que a prefeitura repassa às empresas —o subsídio—, não são suficientes para manter o sistema; é o que ouço desde que mudei para cá, há 33 anos.

Nessa hora surge uma ideia mais nefasta que investir parte dos impostos em helicópteros: que tal demitir os 20 mil cobradores? Afinal, 90% das viagens são pagas com Bilhete Único. A profissão acabaria de vez até 2020; acabaria, mas não acabou. O sindicato conseguiu um acordo. Porém, o que se diz nas garagens é que uma decisão da Justiça paulista já permite a demissão em massa.

Assim como políticos, juízes e desembargadores não andam de ônibus. É quente. É velho. É sujo. É lento.

Na campanha, nenhum candidato assegurou que vai manter os cobradores. Passageiro e eleitor, eu gostaria que o prefeito reeleito, Bruno Covas (PSDB), embarcasse nessa com a gente.

O prefeito aprenderia que passageiros precisam de cobradores para descer no ponto certo, para se informar se a rua tal fica antes ou depois do ponto, para saber o itinerário. Tudo bem, tem aplicativo. Mas brasileiro se informa conversando. É assim que ele chega.

É o cobrador quem recebe pagamentos em dinheiro —poucos, é verdade— e ajuda o motorista quando o veículo tem algum defeito —e aí não são poucos.

Cobradores ajudam cadeirantes, idosos e pessoas com dificuldade de locomoção a entrar e a sair. Qual o preço disso? O que significa para quem tem uma limitação perder essa ajuda?

Nos horários de pico, muitos passageiros não chegam à porta traseira, entram e saem pela frente. Quem pega o Bilhete Único, passa no leitor eletrônico e gira a catraca é o cobrador. Sem isso, muitas viagens não seriam pagas.

Prefeitos não andam de ônibus. E assim, ignorantes, repetem a cantilena como papagaios. “Ora, ora, cobradores vão apenas mudar de função, farão cursos para aprender outra profissão. Isso é exagero da imprensa.”

Convido Bruno Covas a embarcar no busão que sai da Vila Buarque, no centro, e vai até Santo Amaro. É a chance de conhecer a cobradora Zenaide, nascida em Esperantina, no Piauí. Ela faz três viagens ida e volta. São sete horas de trabalho, de segunda a sábado. Em tempos normais, até 500 passageiros transportados por dia. A profissão garante plano de saúde, vale-refeição e cesta básica.

Com o salário, que nunca foi bom e agora está abaixo de R$ 1.700, criou, sozinha, os dois filhos. Hoje, ajuda na formação de Stéfani, a neta de 12 anos.

Quando o ônibus lota, a jovem avó ajeita o cabelo atrás da orelha e repete frases telegráficas.

— Um passinho à frente, por favor.

— Segundo ponto da Consolação, acesso para linha amarela do Metrô e avenida Paulista.

— Quem não descer agora, libere a porta.

— Segura aí motorista, vai descer!

— Última parada da Rebouças. Bairro de Pinheiros. Depois entramos na Faria Lima.

Se andassem de ônibus, os mandachuvas da cidade saberiam como essas informações são fundamentais.

A poucos quilômetros do fim da linha, Zenaide permite o trabalho de Maykon, o vendedor de chocolate. Ela costuma ganhar um Galak de presente, que divide com a neta na hora da novela.

A morena mostra dentes perfeitos e me olha por cima dos óculos quando pergunto se já rodou catraca para algum prefeito. Boa de troco, calcula de cabeça:

— Se são 20 mil cobradores e cada um tiver uma família de quatro pessoas, as demissões vão prejudicar 100 mil cidadãos. É mais que o dobro da população da minha Esperantina. Governo é para arranjar ou tirar emprego?

Lá na frente, Ananias acelera e o argumento ganha embalo.

— O motorista vai dar troco e dirigir ao mesmo tempo? Isso não atrasa a viagem e causa acidente?

Mais uma vez não tenho resposta.

Embarcar no busão da Zenaide ou outro qualquer é a chance de o prefeito descobrir uma São Paulo que até gostaria, mas não pode parar.

Cidadãos que, por falta de opção, economia ou consciência ambiental, ajudam a cidade a ser menos barulhenta, menos congestionada, menos egoísta.

Mais gente no ônibus é igual a menos carro na rua, que é igual a trânsito melhor, que é igual a ônibus veloz. Mais rápido, o ônibus atrai novos passageiros, que dispensam o carro e as ruas ficam mais livres. O sistema de transporte arrecada, a prefeitura economiza e a mobilidade avança.

O ex-prefeito de Bogotá, capital colombiana, declarou há alguns anos: cidade desenvolvida não é aquela em que pobres andam de carro, é aquela em que ricos usam transporte coletivo.

Prefeito Bruno Covas, preste atenção!

É só um passinho à frente, por favor.

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