A reação negativa à redução de incentivos fiscais proposta pelo governo paulista —que já motivou um recuo parcial da gestão João Doria (PSDB)— é mostra dos obstáculos que sempre cercam mudanças na área tributária.
Em seus termos originais, o projeto prevê a partir deste 2021 um corte linear de 20% nos descontos de ICMS para vários setores, incluindo áreas de impacto como alimentação, medicamentos e energia elétrica para consumidores de maior porte na área rural.
Com as alterações, bens e serviços hoje beneficiados com alíquotas mais baixas ou isenções passaram a sofrer cobrança com taxa mais próxima ao padrão do Estado, de 18%. Diante da má repercussão, o governo Doria anunciou que manteria incentivos para remédios, insumos agrícolas e alimentos.
É possível que o momento de pandemia e dificuldades econômicas não se mostre o mais propício para uma elevação do ICMS. No mérito, porém, a medida constitui um passo na direção correta.
Uma das principais distorções do sistema tributário brasileiro é a coletânea sem fim de isenções e normas especiais, não raro instituídas sem critério técnico ou em atendimento a lobbies influentes.
Qualquer reforma digna desse nome deverá passar por cortes de benefícios e por convergência —idealmente até unificação— de alíquotas. Essa é a tão cobrada simplificação dos impostos.
Em São Paulo, claro, objetivo mais imediato é elevar a receita. Pretende-se compensar parte das perdas durante a pandemia, estimadas em cerca de R$ 10 bilhões.
As entidades setoriais foram rápidas em protestar e apelar a ações judiciais, apresentando cálculos de aumento nos preços dos produtos que supostamente ocorreriam com a majoração do ICMS.
Como de hábito, os representantes de cada atividade a apresentam como essencial, a fim de convencer a sociedade de que seus interesses equivalem ao interesse coletivo.
Se uma mera redução de incentivos gera tamanha reação raivosa, imagine-se a resistência a um redesenho amplo do sistema de impostos, taxas e contribuições —a reforma que todos dizem apoiar.
O aspecto social precisa obviamente ser levado em consideração, mas as políticas públicas em favor dos pobres carecem de melhor concepção. Não é o melhor caminho, por exemplo, simplesmente isentar a cesta básica e alguns itens de saúde, consumidos também pelos mais ricos.
Cumpre tornar a carga tributária mais progressiva, com maior incidência em renda e patrimônio, e as despesas públicas mais eficientes no combate à desigualdade, com corte de privilégios corporativistas e foco nos estratos de baixa renda.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.