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Argentinas decidem

País vizinho legaliza aborto; deve-se tratar questão sob ótica da saúde pública

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Manifestação pela legalização do aborto na Argentina - Agustin Marcarian/Reuters

O Senado argentino curvou-se ao ímpeto da mobilização feminina que tomou as ruas de Buenos Aires e aprovou a legalização do aborto voluntário. Agora, as mulheres do país vizinho podem interromper uma gravidez até a 14ª semana sem pedir licença para ninguém.

É o primeiro grande país da América Latina a aprovar uma legislação nacional liberalizante na matéria. Antes, só Cuba, Guiana, Guiana Francesa, Uruguai e Porto Rico permitiam o abortamento; além da Cidade do México e do estado mexicano de Oaxaca.

Na Argentina, admitia-se anteriormente a prática apenas em caso de estupro ou risco de vida da mulher. Tais exceções vigoram também no Brasil, que ainda a autoriza na gestação de feto anencéfalo, de acordo com decisão de 2012 do Supremo Tribunal Federal.

Não se vislumbra que possa ocorrer por aqui, tão cedo, algum avanço na direção de tratar a questão sob o prisma da saúde pública, como defende esta Folha.

Na falta de movimento social pujante capaz de dobrar a timidez legislativa, abortos clandestinos insalubres prosseguirão ceifando vidas de dezenas, talvez centenas de brasileiras a cada ano.

Na América Latina dominada ainda pelo conservadorismo católico e neopentecostal, estimam-se em quase mil as mortes anuais após procedimentos precários.

A mudança na lei argentina parece indicar, apesar de tudo, que o peso dessa herança será corroído, pouco a pouco, pela deriva secularista, como ocorreu com normas para divórcio de casais.

Na Argentina, a luta das mulheres percorreu longo caminho. Só na nona tentativa o Parlamento cedeu à onda verde de manifestações. Na votação anterior, dois anos atrás, sete senadores frustraram a adoção de lei já aprovada por deputados; desta feita, foram 38 votos a 29 contra (1 abstenção).

Transcorreram 12 horas de sessão no Senado, até a madrugada de quarta-feira (30). Ao final, senadores antes indecisos sufragaram o direito de argentinas de mais de 16 anos tomarem a decisão sozinhas e serem submetidas ao procedimento em até dez dias após requisitá-lo, para evitar que medidas judiciais de conservadores o posterguem até que se torne inviável.

Em contrapartida, o Parlamento argentino aprovou igualmente legislação prevendo medidas de apoio financeiro, médico e psicológico para mulheres que pretendam prosseguir com a gravidez.

Como seria de esperar, Jair Bolsonaro rechaçou o caminho escolhido pelo país vizinho. Infelizmente, os obstáculos a um debate racional da questão no país não se limitam a um presidente tacanho.

editoriais@grupofolha.com.br

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