Ao menos nesta parte do mundo, os custos do combate à pandemia da Covid-19 reavivaram as discussões sobre a tributação de grandes fortunas —que seria medida condizente com a vergonhosa desigualdade social latino-americana.
O governo da Bolívia sancionou em dezembro lei que cria um imposto anual e permanente sobre patrimônios individuais elevados, acima do equivalente a cerca de R$ 23 milhões, pouco depois de o Congresso da Argentina instituir uma taxa extraordinária a incidir, uma única vez, sobre valores superiores a algo como R$ 12 milhões.
Aqui, o debate ainda incipiente do tema pela Câmara, no âmbito da reforma tributária, suscitou manifestação crítica da Receita Federal. Segundo o órgão, há medidas mais eficientes para elevar a arrecadação onerando os estratos mais ricos da sociedade. Os argumentos merecem observação atenta.
Esta Folha há muito defende que o sistema tributário brasileiro precisa tornar-se, além de mais simples, menos regressivo. Hoje, de uma carga já exagerada, correspondente a cerca de um terço da renda nacional (33% do Produto Interno Bruto), quase metade (15% do PIB) incide sobre a circulação de mercadorias e serviços.
Essa proporção excessiva se mostra desfavorável aos mais pobres, que destinam proporção mais elevada de seus rendimentos ao consumo —e pagam, na compra de um produto, o mesmo imposto com o qual arcam remediados e afluentes.
Uma carga mais justa deveria ter maior peso de tributos sobre renda e patrimônio. Estes já existem e, de fato, merecem melhor calibragem. O Imposto de Renda, em especial, deveria alcançar o pagamento de dividendos (com ajuste na atual taxação dos lucros) e ter deduções e isenções revistas.
Do lado patrimonial, os municípios têm muito a avançar na cobrança do IPTU, enquanto os estados vêm elevando nos últimos anos a tributação das heranças.
Um Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF), embora defensável e previsto na Constituição, teria papel secundário nesse processo. A experiência internacional mostra que tributos do tipo têm gestão difícil e arrecadação modesta.
Segundo estudo do Insper, de 12 países desenvolvidos que já os adotaram, apenas 3 ainda os mantêm (outros 4 taxam ativos específicos), e só a Suíça tem receita acima de 1% do PIB com o seu. Em comparação, o governo brasileiro deixa de arrecadar perto de 4% do PIB devido a subsídios que não raro beneficiam o topo da pirâmide social.
Um certo fetiche da esquerda pelo IGF não deveria se sobrepor ao avanço de medidas mais importantes e de discussão mais madura. Uma reforma do IR, que depende de não mais que um projeto de lei ordinária, e a revisão de incentivos parecem os caminhos mais promissores no momento para a busca de maior justiça tributária.
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