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Moeda sempre se desmaterializa e muda ao longo da história

Há um consenso geral de que uma nota de papel ou um número digitado refletem o valor de uma mercadoria

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Da pedra da Antiguidade ao Pix contemporâneo, uma história possível do dinheiro é a da desmaterialização das suas formas de representação.

Dessa perspectiva, o foco não é o dinheiro propriamente, mas a cédula, a moedinha, o cheque, o cartão de débito ou crédito, o registro eletrônico de uma transação, enfim, tudo aquilo que representa dinheiro.

Dinheiro mesmo é aquilo que ele pode comprar. Ou o que custou para ganhá-lo. Uma quantidade xis é um saco de arroz. Ou tantas horas de trabalho. Nesse sentido, é uma grande metáfora, uma coisa que significa outra coisa.

Esse grau de abstração requer um consenso social, uma crença geral de que uma nota de papel ou um número digitado na maquininha pelo rapaz do delivery reflete, efetivamente, o valor da mercadoria, medida pelo tempo necessário de trabalho do comprador. Uma pizza pode custar um minuto ou dez horas.

Embora distintas, as duas narrativas —a do dinheiro e a de suas representações— correm paralelas e, para o bem e para o mal, estão associadas à história da civilização.

A pedra do primeiro parágrafo não tem registro. Teria circulado na Mesopotâmia, com a formação das primeiras cidades, uns 4 mil anos antes de Cristo, quando a concentração humana estimulou o surgimento de objetos que traduzissem valores.

Ao longo da história, uma infinidade de itens serviu para representar o dinheiro. Pedras e metais encontrados na natureza se mostraram convenientes por séculos. Podiam ser pesados no momento da transação comercial e, subdivididos, permitiam o ajuste fino do preço e facilitavam o troco.

Outros itens não primaram pela praticidade. Os gregos chegaram a usar bois como medida monetária, o que foi até parar na raiz da palavra latina “pecuniariu”, que quer dizer “riqueza em gado”, e deu origem a “pecuniário”, um termo genérico que significa “relativo a dinheiro”.

Há muitos exemplos. O sal foi tão bem-sucedido na China que, via latim, está na etimologia de “salário”.

Na civilização asteca, o cacau funcionava para grandes aquisições, em sacas de 24 mil grãos, ou avulso, para despesas do dia a dia.

Alguns são inusitados. No século 18, pregos faziam as vezes de moedas na Escócia, como relata Adam Smith em “A riqueza das nações”. Até hoje, em prisões do mundo todo, maços de cigarro são dinheiro vivo.

Todas essas formas de dinheiro são conceitualmente primitivas. A moeda com características atuais surgiu em meados do século 7 a.C. no reino da Lídia, num território hoje pertencente à Turquia. Foi lá que, a partir de uma liga de ouro e prata encontrada em rios da região, pela primeira vez na história cunhou-se uma moeda.

Não foi apenas uma revolução monetária. Foi um evento que, ao padronizar o que os economistas chamam de meio circulante, estimulou o comércio e a especialização do trabalho, abrindo caminho para a sociedade moderna.

A Grécia iria aderir à novidade, mas o processo seria diferente nas duas cidades que disputavam a hegemonia daquele mundo. Enquanto a democrática Atenas passou a usar moedas, a cunhagem na autoritária Esparta demoraria três séculos.

Mais tarde, o Império Romano fez circular no imenso território que dominou – quase toda a Europa e o Norte da África, entre outras regiões – uma família monetária baseada no denário, uma moeda de prata.

Com a queda do império, o início da Idade Média testemunhou o sumiço de um sistema monetário abrangente. Não foi uma decisão deliberada. Foi mais decorrência da natureza daquela era, voltada para dentro, para os feudos com certo grau de autossuficiência, onde as trocas de mercadorias relativizavam a importância do comércio intermediado pela moeda.

A Europa voltaria a ser monetizada com as Cruzadas, as grandes feiras medievais e a prata oriunda da América Latina. Na sequência, apesar da oposição moral da Igreja Católica, surgiu o juro, que é o preço do dinheiro alugado por um tempo. Com ele, os primeiros banqueiros, de Florença e adjacências, financiariam o Renascimento e, mais importante do ponto de vista da moeda, dariam impulso decisivo ao capitalismo.

As cédulas representaram uma sofisticação do sistema porque, ao contrário do metal e de outros materiais, não têm valor intrínseco. Não se come ou se fuma uma nota.

Elas apareceram na China, numa versão embrionária, no início da era cristã, e vingaram devido à imposição de dinastias fortes. Séculos depois, passariam a ser usadas no Ocidente, onde sua circulação dependia apenas da confiança da sociedade.

O principal predicado de uma moeda não é o material de que é feita, a estampa que lhe foi impressa ou a rapidez com que é transferida, mas a confiança nela depositada. O público precisa acreditar que o numerário declarado tem lastro em algo concreto, como a riqueza gerada por um país. Sobretudo hoje, quando ele se torna cada vez mais imaterial.

A desconfiança generalizada destrói uma moeda, que se torna vítima de uma espiral de desvalorização, típica das hiperinflações. Felizmente, brasileiros com menos de 30 anos não sabem, na prática, o que é isso.

Oscar Pilagallo é jornalista e autor de “A aventura do dinheiro”

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