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Karen Luise e Robson de Oliveira

Questões raciais: denunciar não dispensa o agir

Chega de retórica vazia; tempo e história não poupam a população negra

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Karen Luise

Juíza de direito na 1ª Vara do Júri de Porto Alegre, é membra da Associação Juízes para a Democracia (AJD) e do Comitê de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade do TJ-RS

Robson de Oliveira

Advogado de Demarest Advogados, é membro da Comissão de Igualdade Racial da OAB-SP e coordenador do Projeto Incluir Direito

São nos momentos de crise que os direitos das pessoas vulneráveis são mais ameaçados, em especial os da população negra. Em 2020 foram incontáveis situações de violência e violações com viés racial, agravadas pela pandemia de Covid-19, colocando o mundo em alerta. As novas tecnologias propiciaram que se registrassem mortes, agressões, microagressões e as mais variadas formas de preconceito e discriminação.

Sendo assim, não faltaram vozes declarando inconformidades e desconfortos, denunciando e repudiando veementemente ações e omissões. Não houve quem não colocasse frases potentes em seus canais de comunicação; não houve quem não sentisse necessidade de expressar engajamento e compromisso com causas que palpitam socialmente e afligem vidas reais. No entanto, há algo sendo negligenciado!

A juíza Karen Luise e o advogado Robson de Oliveira - Divulgação

O debate sobre a questão racial explodiu mundialmente, e houve congressos, palestras, encontros, painéis —todos discutindo se o racismo existe ou não e como ele opera.

Mas o que de fato foi realizado? Pouco ou nada. Enquanto isso, negros e negras continuam sendo massacrados neste país. Lamentavelmente, o genocídio da população negra está presente em nossas vidas.

São mazelas que recaem predominantemente sobre um grupo racial que hoje compõe 56% da população, tudo porque ainda se vive a utopia de que não existe racismo no Brasil.

Com efeito, é cada vez mais perceptível que existem muitas pessoas, organizações e instituições, públicas e privadas, empenhadas em defender a garantia de direitos e transformações sociais. Porém, elas próprias não se dão conta de que, mesmo sendo importante expressar pontos de vista, isso não é suficiente. É necessário que sejam adotadas medidas concretas, que demonstrem um efetivo agir transformador. Caso contrário, esses reclames encerram-se em si mesmos.

Verifica-se que as resistências encontradas nos espaços institucionais fazem com que muitos potenciais agentes de mudança optem por partir para outras frentes, quando o que a sociedade necessita é a atuação incisiva de todos, e em todos os espaços, sustentando e construindo práticas que se convertam em benefício comum.

Devemos refletir sobre quais são as medidas concretas que estão sendo efetuadas por aqueles que ocupam espaços de privilégio e poder, tendo em vista que muitos são os destinatários das notas e manifestos realizados pela sociedade e por eles próprios. Deles exige-se muito além da visibilização de questões prementes, pois estão convocados pelo seu próprio mister a estabelecer uma conexão real entre o que querem e o que fazem.

Não perceber essa circunstância significa estar exercitando uma retórica vazia, não convertendo suas ideias em um fazer político, pessoal e institucional, que responda às necessidades que apontam.

Nesse sentido, faz-se necessária a análise dos espaços de atuação social e profissional com o mesmo olhar crítico que se volta para onde estão as mazelas reclamadas, identificando quais as ações afirmativas necessárias que devem ser colocadas em prática em consonância com o que se defende.

As potentes falas devem, portanto, estar aliadas a condutas que obstaculizem e eliminem as violações denunciadas, saindo-se de um estado inercial ou apenas argumentativo.

Seria possível aqui declinar inúmeras ações concretas, factíveis, que estão ao alcance de todos, e que ao mesmo tempo ocupam o primeiro lugar nas demandas sociais. No entanto, provocamos cada um para que dentro de seu campo de atuação seja capaz de refletir e projetar o que é possível fazer, transformando suas próprias reivindicações em realidade. Muito já foi dito, mas muito precisa ser realizado, e o denunciar não dispensa o agir!

Que todas as palavras sejam fonte de provocação e reflexão, mas que todas as condutas sejam verdadeiros gestos de amor pelas gerações, presentes e futuras, que esperam ansiosamente por melhores condições de vida.

Chega de retórica vazia, pois o tempo e a história não param e não poupam ninguém, principalmente a população negra!

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