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Claudio Lottenberg

Tolerar o intolerável produz horrores como o Holocausto

Nós, judeus e judias, sabemos tão bem e tristemente o que um mundo intolerante pode fazer

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Claudio Lottenberg

Doutor em oftalmologia (Unifesp), é presidente institucional do Instituto Coalizão Saúde e do conselho do Hospital Albert Einstein

O Holocausto, o extermínio de 6 milhões de judeus inocentes pelos nazistas e seus cúmplices, não afundará no esquecimento da história. Esta quarta-feira (27) é o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. A efeméride é importante para lembrar ao mundo o que, na comunidade judaica, segue vivo, queimando.

Uma chama que precisa iluminar a consciência do mundo para que monstruosidade como aquela não se repita.

O oftalmologista Claudio Lottenberg, presidente da Conib (Confederação Israelita do Brasil) - Greg Salibian - 11.abr.19/Folhapress

A morte em escala industrial, no coração da Europa “desenvolvida”, perpetrada contra uma minoria desprotegida e abandonada, vítima de discurso de ódio milenar, não pode ter sido em vão. É preciso lembrar porque é preciso agir.

As novas tecnologias de comunicação se tornam imediatamente novas tecnologias de propagação do ódio. Sempre foi assim na história. Agora, porém, as novas tecnologias são ainda mais possantes e “user friendly”, proporcionando, com extrema facilidade, eficácia mortal sob o manto escuro do anonimato. As redes sociais, o novo espaço público, promovem, com vasta impunidade até agora, linchamentos (“virtuais” apenas no nome) de indivíduos e grupos, com uma eficiência inédita.

O grande escritor israelense Amós Oz aponta que um fanático enxerga o mundo através de homogeneidades, maniqueísmos e obsessões de controle normativo do outro, imaginando com isso excluir a curiosidade, a empatia e a argumentação. Esta manobra, que busca a sanção ao diferente, se expressa nas muitas formas de intolerância, como a racista, a linguística, a religiosa, a social, a política e a socioeconômica. Um dia mundial dedicado à lembrança do Holocausto está aqui também para dizer um não a tudo isso. Neste caso, recordar é literalmente viver. Viver uma vida livre de preconceitos, de ódios, de linchamentos. Ou, pelo menos, uma vida com menos preconceitos, ódios e linchamentos.

O crescimento da intolerância nas democracias contemporâneas é incompatível com o conceito de democracia. Passou da hora de rever o funcionamento das redes sociais. O conceito de liberdade não pode englobar a liberdade de atacar vil e covardemente o outro.

Não é fácil fazer essa correção de rumo. As redes são um fenômeno novo, em expansão, transnacional. A luta por correção envolve aspectos legais, sociais e econômicos. Mas, justamente porque é difícil, é que deve ser feito. Tolerar o intolerável produz horrores como o Holocausto e outras catástrofes genocidas que maculam a história humana.

O destino trágico de nossos antepassados na Europa nos obriga a não silenciar perante discriminações, sentimentos homofóbicos, racismo, propagação do ódio.

Neste momento em que tantas vozes de respeito apontam ameaças à democracia em várias partes do mundo, a comunidade judaica vem lembrar os perigos mortais do autoritarismo e das divisões odiosas.

E que essa grande guardiã dos direitos humanos não se manifesta apenas nos dias de votação de acordo com os calendários eleitorais. A democracia é aquela que se pratica todo dia, fruto do exercício da cidadania.

Nós, judeus e judias do Brasil, não aceitamos qualquer tipo de intolerância e lutaremos sempre contra ela porque sabemos tão bem e tristemente o que um mundo intolerante pode fazer.

Por isso o nosso lema, “Holocausto nunca mais”, é tão atual. Ele significa, acima de tudo, intolerância nunca mais. Porque os nossos antepassados não podem ter morrido em vão.

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