Descrição de chapéu

Vacinas, enfim

Apesar de Bolsonaro, país começa a imunizar-se após gesto de autonomia da Anvisa

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A enfermeira Monica Calazans recebe a primeira dose da Coronavac após a autorização da Anvisa - Eduardo Anizelli/Folhapress

A aprovação unânime pela Anvisa de duas vacinas contra a Covid-19 encerra um atraso injustificável e explicita como deveria funcionar o Estado brasileiro, não prevalecesse no Planalto o delírio ideológico patrocinado pelo presidente Jair Bolsonaro. A diretoria da agência dissipou neste domingo (17) o temor de que faltaria com o dever por subserviência política.

Em nove dias, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária analisou milhares de dados e documentos e autorizou o uso emergencial dos imunizantes Coronavac, do Instituto Butantan, e Covishield, da Fundação Oswaldo Cruz, desenvolvidos em parcerias internacionais —e, concluiu-se, seguros e eficazes.

Gerentes e diretores da autarquia, durante mais de cinco horas de reunião, se estribaram na objetividade e na lógica das evidências para cortar o nó górdio do negacionismo irresponsável.

As apresentações foram exaustivas, sóbrias, transparentes e esclarecedoras. Alguma retórica se ouviu, mas pareceu mais que justificada: a hora é grave.

Viram-se votos firmes de solidariedade às vítimas da incúria do Estado na tragédia em Manaus e alhures, afirmações sem subterfúgios da inexistência de alternativas terapêuticas, repúdio decidido à negação da ciência, recomendação inequívoca de que o distanciamento social continua imperativo.

O país assistiu pela TV a uma refutação completa da irresponsabilidade criminosa protagonizada pelo presidente, por seus filhos e por parlamentares de baixa extração.

Igual e deplorável figura faz o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, general da ativa que conspurca as Forças Armadas ao curvar-se a Bolsonaro. Não caia no esquecimento sua indignidade ao fazer pressão para que autoridades amazonenses recorressem ao kit Covid dos charlatães, quando era de oxigênio que os moribundos precisavam.

Na Anvisa essa chusma não logrou fincar bandeiras. Temos vacinas, enfim, à sua revelia. E a primeira a materializar-se foi logo aquela que o presidente jurou jamais adquirir e depreciava como vacina chinesa, supostamente inconfiável e teratogênica.

O governador paulista, João Doria (PSDB), fez o que dele se poderia esperar: logo após a reunião da Anvisa, promoveu o que será visto como a primeira imunização nacional. Mônica Calazans, 54, enfermeira, recebeu a primeira injeção da Coronavac após a autorização.

Um lance de marketing, pois sim, como se lamuriou Pazuello. Mas Doria só pôde colocá-lo em prática porque trabalhou pela saúde pública, algo que o ministro ainda precisa aprender —se não for dispensado antes por Bolsonaro, que já se livrou de dois ministros médicos para entregar a pasta a militares ineptos para a função.

A vitória política do governador tucano é o aspecto menos importante do ponto final da Anvisa na demora revoltante que a omissão e o diversionismo federais impuseram ao único instrumento para combater a pandemia.

Basta de improvisação, como implorar a potentados estrangeiros por um lote ínfimo de doses e colar adesivo em avião para trazer da Índia uma quimera.

Chegou a hora —já passa, na verdade— de Bolsonaro e Pazuello começarem a cumprir sua obrigação. Como resultado da inação, tão bem exemplificada ao contratar-se um único fornecedor, o país inicia tarde sua campanha de vacinação sem contar com doses suficientes para imunizar nem mesmo o primeiro grupo prioritário do mal-ajambrado plano federal.

O momento pede um esforço nacional hercúleo para estancar a propagação do coronavírus, reduzir a mortandade e fazer as vacinas chegarem ao maior número de brasileiros necessitados no menor espaço de tempo. Autoridades sanitárias nos três níveis de governo precisam unir-se e coordenar-se para várias tarefas inadiáveis.

Antes de mais nada, há que garantir novos fornecedores de vacinas e seringas no exterior ou acelerar a produção doméstica. Multiplicar e equipar postos de vacinação, em rede ainda mais eficiente que a mobilizada no passado, responsável pelo sucesso do Brasil nesse campo. Montar sistema ágil para cadastrar vacinados e assegurar que tomem a segunda dose.

Neste momento de escalada preocupante da Covid, o mais necessário é Bolsonaro, em seu próprio interesse político, sair do caminho e permitir que os setores qualificados do Estado façam seu trabalho.

O presidente e seu ministro, hoje, são os maiores inimigos da saúde pública. Que a decisão acachapante da Anvisa tenha sido o primeiro passo para sua derrota.

editoriais@grupofolha.com.br

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.