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Claudio Mayerovitch, Dirceu Barbano e Gonzalo Vecina

Vacinas: o relevante e o irrelevante

Anvisa deve passar segurança à sociedade, que ignoraria disputas menores

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Claudio Mayerovitch, Dirceu Barbano e Gonzalo Vecina

Ex-presidentes da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária)

A vacina contra a varíola foi a primeira a ser introduzida no Brasil, em 1804. Foram necessários mais de cem anos para definir se o introdutor da vacina no país teria sido o marechal do Exército Felisberto Caldeira Brant (marquês de Barbacena) ou o cirurgião-mor Francisco Mendes Ribeiro de Vasconcelos.

Para a saúde pública brasileira, foi fundamental a criação do Programa Nacional de Imunização, em 1973, considerado um dos mais generosos e efetivos do mundo, dado a abrangência e o caráter universal. Como legado do PNI temos o controle de poliomielite, difteria, sarampo e rubéola. O programa distribui anualmente mais de 300 milhões de doses de 42 tipos diferentes de vacinas.

Durante as pandemias, o interesse pelo tema das vacinas se torna naturalmente maior. Isso gera tensões como a que ocorreu no episódio que ficou conhecido como a “Revolta da Vacina”, em 1904, no Rio de Janeiro, envolvendo a própria varíola. Com a pandemia causada pelo novo coronavírus, é relevante chamar a atenção para a inabilidade das principais autoridades do país, que não souberam elaborar um plano nacional de imunizações e até fizeram campanha contra a vacinação.

As agências reguladoras de medicamentos, tais como Anvisa, FDA (EUA) ou EMA (Comunidade Europeia), foram criadas a partir do momento em que se tornou evidente que os medicamentos precisariam passar por uma avaliação independente antes de chegarem ao mercado. Marca esse período o desastre da talidomida. A Anvisa foi criada depois do escândalo da falsificação de medicamentos usados como anticoncepcionais e para o tratamento de câncer, nos anos 1990.

Uma das principais características dessas instituições é o elevado grau de exigência técnica e científica em todo o processo de tomada de decisões. Por isso, é relevante apontar que o governo federal e a diretoria da Anvisa erram, quando expõem a agência a um processo de desgaste profundo de sua imagem, ao posicioná-la como objeto em uma disputa irrelevante sobre o pioneirismo da introdução da vacina contra o novo coronavírus no Brasil.

Os mandatários deveriam agir para preservar a confiança dos cidadãos na decisão dos técnicos da agência, os quais foram capacitados com muito investimento público e, por isso, são respeitados pelos brasileiros e pelas principais autoridades reguladoras de medicamentos no mundo. Tivessem essa sensibilidade, teriam determinado há meses a criação de comitês de acompanhamento para cada uma das iniciativas. Com isso, a Anvisa poderia receber informações em tempo real e analisá-las diariamente, abreviando o tempo de aprovação das vacinas para dias ou semanas.

As lideranças parecem caminhar em sentido contrário, dando relevância e reverberando considerações sobre o país de origem da vacina. O empenho esperado seria o de estimular todas as empresas e institutos a interagirem de forma efetiva e transparente com o corpo de técnicos da agência no sentido de aproximar ao máximo o grau de conhecimento sobre as diferentes tecnologias, formas de produção e resultados dos estudos colhidos no Brasil e em outros países.

Outro desafio que deveria estar entre as prioridades dos gestores dessas instituições é o enfrentamento da diminuição das coberturas vacinais dos últimos anos, o que se faz com o fortalecimento da atenção primária em saúde e boas estratégias de comunicação, sem espaço para ambiguidades de líderes políticos.

A Anvisa e seu corpo técnico deve ser respeitada pela sociedade brasileira e também oferecer ao país a segurança necessária acerca dos produtos que consumimos. Uma sociedade consciente da importância desse trabalho estará mais longe de irrelevantes disputas, como a que ficará registrada na história sobre o momento atual —certamente de forma menos notória que a da trajetória do marquês de Barbacena.

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