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Maria Regina Paiva Duarte

A taxação de grandes fortunas é uma medida fundamental na reforma tributária? SIM

Prevê-se arrecadar R$ 40 bilhões por ano, algo urgente em tempos de crise

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Maria Regina Paiva Duarte

Presidente do Instituto Justiça Fiscal, é auditora fiscal aposentada

O Brasil é um país extremamente desigual, com elevada concentração de renda e riqueza na classe mais rica da população. Além disso, apresenta significativo agravamento da situação, com mais de 230 mil mortos pela Covid-19, 14 milhões de desempregados e 60 milhões na miséria.

Somos o segundo país com maior concentração de renda e o sétimo com o maior número de bilionários. Sem enfrentar a tributação sobre as grandes fortunas, juntamente com a das altas rendas, historicamente subtributadas, não há como pensar em uma reforma tributária que proporcione condições para retirar o Brasil da condição vexatória de extrema desigualdade econômica, de raça e de gênero.

Segundo relatório apresentado pela Oxfam, de abril a julho de 2020, durante a pandemia, 42 bilionários brasileiros aumentaram suas fortunas em mais de R$ 170 bilhões. Enquanto grande parte da população foi golpeada pelos efeitos sanitários e econômicos, bilionários aumentaram suas fortunas nesta magnitude.

Mas as fortunas não aumentaram apenas recentemente. São rendas e patrimônios que, ao longo dos anos, não tiveram taxação adequada; ou sequer foram taxadas por conta de um sistema tributário regressivo que cobra muito pouco das pessoas com maior capacidade contributiva. A baixa taxação sobre heranças, doações e patrimônio imobiliário, e a insuficiente tributação sobre a renda, possibilita que as fortunas se acumulem ainda mais, fazendo com que o sistema tributário tenha efeito concentrador de renda e riqueza. Não o contrário.

O Imposto Sobre Grandes Fortunas (​IGF), previsto na Constituição de 1988, até hoje não saiu do papel. Combinar esse imposto com o fim da isenção sobre lucros e dividendos, da dedução de juros sobre o capital próprio e a reestruturação da tabela do Imposto de Renda (IR) é muito mais efetivo do ponto de vista econômico e social, além de ser mais justo. Não por acaso, a tributação sobre o consumo representa mais de 50% do valor arrecadado e recai muito mais sobre quem ganha menos, enquanto a tributação sobre renda e patrimônio alcança menos de 27% (dados de 2018).

Argumentar que o IGF arrecada pouco, é de difícil gestão e apresenta pouca efetividade, bem como dizer que haverá saída de investimentos e fuga de capitais, faz parte dos mitos criados para evitar a instituição deste tributo. Há meios técnicos para identificar as fortunas e mensurar a riqueza tanto dos residentes como de pessoas ou empresas não domiciliadas no país. Há medidas antielisivas na legislação para serem aplicadas, como também isentar de tributos os capitais produtivos. Mas para isso é preciso tomar a decisão política de tributar as fortunas e fortalecer a administração tributária para realizar os esforços necessários.

As estimativas de valores arrecadados com o IGF, nas várias propostas apresentadas, não são desprezíveis. Na campanha “Tributar os Super-Ricos”, cujas medidas já foram apresentadas ao Congresso e é defendida por mais de 70 entidades, a previsão é de arrecadar R$ 40 bilhões ao ano. Pode parecer pouco diante de outros mecanismos de arrecadação, mas é urgente e necessário —especialmente neste momento de aprofundamento da crise— ampliar a receita e aumentar investimentos públicos, garantindo o pagamento do auxílio emergencial, por exemplo.

A pandemia pode ser um marco, a partir do qual a tributação das grandes fortunas e altas rendas fará justiça, priorizando a vida e novas formas de uma convivência mais harmoniosa e sustentável.

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