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Marcos Barbosa

Confesso que estou nervoso

Anônimo, fui provocar a Folha e vim parar aqui

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Marcos Barbosa

Advogado, 49, é ator, dramaturgo, estudante de psicanálise e assinante da Folha há 25 anos

Sim, confesso, estou absolutamente nervoso. A minha fraqueza, medo e incompetência socráticas ficaram evidentes após receber a resposta de uma provocação que fiz à Folha acerca do pouco espaço dado aos leitores —à exceção do exíguo Painel do Leitor, que, aliás, muitas vezes é usado como direito de resposta às “otoridades”.

Pensei aqui com meus botões onde está “Sua Excelência, o leitor”, como tratado por Frias (tentativa de intimidade) neste centenário. Onde estão, como dizia Belchior, os rapazes latino-americanos, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindos do interior —assim como eu, da pequena e pacata cidade de Casa Branca (SP)— estampados em seus cadernos?

São 25 anos de assinatura, lealdade e fidelidade a esta Folha. Não faltaram tentativas vãs de me tirarem dela, mas foi amor à primeira vista: quando comecei a ler o jornal, emprestado, logo fiz a primeira assinatura. E disse “sim” a este casamento, que perdura até os dias de hoje.

Lembro-me da primeira vez em que tive uma carta publicada no Painel do Leitor —ainda enviada por fax. Foi um misto de sensações extraordinárias, pois logo depois minhas cartas começaram a ser publicadas com certa regularidade. Mudou-se algo naquela relação. Ao amor primeiro, à paixão avassaladora, somaram-se outros elementos importante: o respeito à minha opinião e a importância que sinto como leitor.

Veio então a versão online. Ouvia alguns especialistas dizerem que os jornais estavam com seus dias contados: não haveria nenhuma chance de continuarem vivos e se manterem com a chegada da internet.

Aquilo para mim era sofrimento puro. Não conseguia entender-me completamente sem o jornal impresso. Fiquei deprimido, pensei no pior. Suicídio poderia até ser uma saída nobre, engolindo quilos de papel-jornal picado embebido em cicuta.

Após esses pensamentos apocalípticos, imaginando não poder mais ver o meu nome no Painel do Leitor, dei uma pausa (brechtiana), respirei fundo e tomei o rumo, sem perder a ternura jamais. Pensei então que há mais coisas entre o jornal e a internet do que pode pensar minha vã filosofia de botequim.

Ao ler aqueles especialistas em decretar a morte prematura do jornal impresso, concluí que a minha participação frequente no Painel do Leitor seria abortada. O fim do papel seria foco de sessões de terapia. Talvez minha depressão seria eterna por não mais ser o anônimo que aparecia na Folha de S.Paulo.

A internet, porém, ainda não acabou com os jornais. Os 100 anos da Folha, forte, independente, equilibrada e sempre em busca de inovações, comprovam isso —mesmo vivendo num país em que mais de 50% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Para um jornal, naturalmente, trata-se de um desafio enorme.

Na figura hedionda de Jair Bolsonaro, uma onda de ataques vem sendo desferida aos jornais, em particular a esta Folha, e à liberdade de expressão. Por isso, os meus mais de 25 anos vividos por aqui, anonimamente, serão prorrogados como assinante por mais 25 anos. Justamente em razão dessa luta incansável da Folha, com seus erros e acertos, pela democracia, pela liberdade de expressão, pelo Estado democrático de Direito e pelo respeito aos direitos e deveres prescritos na Constituição.

Parabéns pelo centenário, Folha.

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