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André Kwak e Mariana Chiesa

Moradia em tempos de pandemia

Inação pública na política de aluguéis é assustadora

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André Kwak

Economista, é pesquisador no Laboratório de Habitação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP (FAU-USP)

Mariana Chiesa

Advogada e doutora em direito (USP), é sócia de Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques Sociedade de Advogados

O cenário de pandemia permanece, mas as políticas de assistência à população são bastante distintas ao redor do mundo. E não é diferente no campo da moradia, sobretudo a regulação do mercado de aluguéis.

Comparando com o estado de Nova York, que viveu índices de contaminação e mortes semelhantes aos nossos, evidencia-se a diferença. As autoridades locais e regionais uniram esforços para reduzir os impactos desencadeados pela epidemia, com estratégias específicas para garantir a moradia. Evidente, já que é pressuposto para o distanciamento social, que os cidadãos tenham onde morar.

As estratégias tiveram três principais frentes de atuação: o congelamento de preços dos aluguéis de parte da cidade de Nova York, em junho de 2020; o auxílio emergencial para o pagamento de aluguéis, em julho; a suspensão de todas as ações judiciais de despejo por pelo menos 60 dias; o impedimento para ajuizar novas ações de despejo antes de maio deste ano; a ampliação do prazo para a notificação do locatário; e, ainda, mecanismos para dificultar a execução de hipotecas pelo sistema financeiro.

As propriedades que tiveram os preços de aluguéis congelados já estavam inseridas na estratégia conhecida como “Rent-Stabilized Apartments”, que impede grandes variações anuais de aluguéis. Contudo, na pandemia, os contratos dessas residências foram congelados no primeiro ano e, no segundo, o reajuste limitou-se a 1%.

Não é surpresa que, no Brasil, vivenciamos um cenário substancialmente diferente. O Observatório de Remoções —coordenado por ​FAU-USP, UFABC e Unifesp— informa que 2.430 famílias foram removidas na cidade de São Paulo em 2020, o dobro de 2019. No campo legislativo, a única medida que tangencia o tema foi a lei nº 14.010/2020, de agosto, que impede a concessão de liminares em ações de despejo. Apesar do dispositivo abarcar uma situação ínfima, ainda assim o Executivo vetou o texto, argumentando ser “proteção excessiva ao devedor em detrimento do credor, além de promover o incentivo ao inadimplemento”. Foi necessário o Congresso Nacional derrubar o veto para que o artigo fosse mantido.

Ainda que o desenho constitucional seja distinto do americano, tendo a União um papel na adoção de algumas medidas, a anomia das autoridades é assustadora.

Segundo dados do IBGE/2018, as famílias com renda mensal abaixo de dois salários mínimos gastaram 34% de seus rendimentos com aluguel. Já as famílias que recebem mais de 25 mínimos gastaram menos de 4% com despesas de moradia. E, na pandemia, a pressão nos orçamentos das famílias é ainda maior, já que o desemprego chegou ao recorde de 13,1 milhões de pessoas no Brasil em setembro de 2020, com viés de alta, e o índice IGPM da FGV, que reajusta parte dos contratos de aluguéis, foi a 23,14% no ano passado —o maior dos últimos 12 anos.

Fica claro que, assim como em outras áreas, no campo da moradia as estratégias para minimizar o impacto da pandemia foram muito aquém das urgências vividas pela população.

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