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Leandro Muniz

O Museu Nacional das Fake News

Sala 'Gripezinha' terá um Bolsonaro empalhado e interativo

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Leandro Muniz

Roteirista, dramaturgo e diretor

Ano de 2032. Milhões de brasileiros acreditam que a ditadura foi uma bênção, que não houve escravidão e que as vacinas são feitas com células de bebês abortados. Na TV, Renan Bolsonaro diz que não comparecerá ao último debate com a candidata Maisa Silva. Acordo suado!

Levantar da cama em 2021 não é muito diferente. Significa ouvir declarações imbecis do governo e ter que explicar de novo para o tio Geraldo que a Covid-19 não se cura com arnica e esterco de vaca. Rotina dolorosa, como uma diarreia que nunca passa. A guerra nas redes sociais continua agressiva. O WhatsApp é um doente sem respirador, postando ​selfies. A onda alucinante se alastrou e agora quer recontar o passado.

Precisamos reagir e, além do TikTok e do triquíni, deixar um legado às novas gerações. Por isso, sugiro a criação do Museu Nacional das Fake News. Expor o lixo eletrônico pode resgatar aquele constrangimentinho com a própria burrice, nesse surubão de Noronha da pós-verdade.

O Museu das Fake News será uma experiência sensorial intensa. Já na entrada, funcionários desorientam o público, dizendo que ali não é a entrada. O público, confuso, poderá optar por entrar pela janela ou voltar para casa; afinal, o alto-falante repete: “O museu não existe, ele é uma invenção comunista!”.

No corredor principal, a sala “A Terra é plana ou você que é chato?” traz um vídeo de um casal de terraplanistas que se perdeu em alto-mar ao procurar a beirada do mundo com uma bússola. Não faz o menor sentido. É como tomar uma vacina de cloroquina.

Na sala “Eleições”, um acervo vasto de memes fakes e, numa redoma de acrílico, brilha reluzente a mamadeira de piroca. A sala “Kit gay e ideologia de gênero” vem vazia, apenas com uma foto do Silas Malafaia na parede e os dizeres: “Procura-se idoso senil e seu kit inventado”. Já na sala “Algoritmos de festa” é possível digitar nome e profissão, e o robô gera rapidamente uma fake news sob medida para você. A minha seria: “Roteirista esquerdopata lança musical sobre a Bíblia com Jesus trans”.

Passando por fotos de militares, com máscaras feitas no Paintbrush, chegamos à instalação “Boatos aleatórios”, onde interagimos com a performance “Parto da grávida de Taubaté”. Ela termina com sete bebezinhos olavistas xingando o público.

Na sala “Ops, isso é verdade!”, latas de leite condensado à venda por R$ 50 mil cada e uma estátua do ex-vice-líder do governo no Senado, com seu dinheiro entre as nádegas. E, por fim, a sala “Gripezinha” traz um paredão de caixinhas de cloroquina e um depoimento comovente de um bolsonarista: “Como eu peguei coronavírus? Fiz a profilaxia com ivermectina!”. Ao fundo, um Bolsonaro empalhado e interativo. Basta apertar sua barriguinha que ouvimos em looping: “E daí?, e daí?, e daí?, e daí?, e daí?...”.

A burrice precisa ser preservada. Só o Museu das Fake News poderá nos salvar.

TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.​​

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