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Regis Arslanian

Política externa: nunca é tarde para acertar

Devemos adotar logo uma diplomacia mais pragmática, sem dogmatismos e ideologias

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Regis Arslanian

Embaixador e sócio do escritório Licks Attorneys

Após a posse de Joe Biden, o presidente Jair Bolsonaro encaminhou-lhe uma carta de cumprimentos com propostas para uma aproximação construtiva entre os dois países. Foi uma atitude pragmática, que muitos taxaram de oportunismo, mas que também pode tornar-se um novo rumo e uma janela de oportunidades. Antes tarde do que nunca.

Nos últimos dois anos, nossa política externa limitou-se a ser uma sombra dos desígnios de Donald Trump. Na verdade, privilegiou-se uma propalada relação pessoal entre ele e Bolsonaro que, supostamente, atenderia aos interesses nacionais. Agora, com a mudança de comando nos Estados Unidos, o governo brasileiro tem a oportunidade de colocar esses interesses realmente em primeiro lugar para o Brasil.

O novo pragmatismo em nossas relações externas deve considerar, por exemplo, que Biden foi o primeiro candidato à Presidência dos Estados Unidos a abordar o desmatamento da Amazônia em suas propostas de campanha. Cabe ao governo brasileiro tomar atitudes para tê-lo como aliado e não como adversário.

E aqui não bastam apenas palavras. No lugar de repelir Biden na questão amazônica, deveríamos, sem abrir mão de nossa soberania, buscar sua parceria, evitando que o crescimento da devastação estimule a formação de um bloco internacional contra o Brasil.

Temos a maior floresta tropical do mundo. Seria um desatino, por exemplo, que o Brasil ficasse de fora da negociação de um plano de preservação da Amazônia articulado pelos Estados Unidos e pelos europeus, além de outros países. Ouvimos vozes ditas ambientalistas, cada vez mais contundentes, que clamam por barreiras comerciais às nossas exportações agrícolas. Não será rotulando as críticas com qualificativos bombásticos que defenderemos o meio ambiente ou nosso comércio exterior. Temos que nos antecipar e liderar iniciativas, no cenário nacional e internacional, para evitar que esses disparates prosperem.

Para isso, é preciso abandonar o discurso marqueteiro de uma autoinflingida posição de pária internacional. Ao mesmo tempo em que devemos nos aproximar de Biden, cabe ao Brasil reconstruir pontes e alianças, e voltar a valorizar o multilateralismo.

O respeito e o fortalecimento do multilateralismo e nossa participação ativa nos órgãos multilaterais assegurarão sempre melhor a defesa de nossos interesses. O Brasil é grande, mas não temos o poder político e econômico nem militar das grandes potências. Ao abrigo dos órgãos multilaterais sempre teremos mais possibilidades de fazer ouvir a nossa voz e de influir nas decisões que sejam tomadas.

E é bom que comecemos essa mudança com nossos vizinhos. Sob a inspiração de Trump, rompemos boas relações históricas e deixamos de exercer uma liderança natural na América Latina. Nesse tempo, não fizemos sequer uma visita presidencial à Argentina, nosso principal parceiro regional. Nada justifica essa omissão, muito menos uma lenga-lenga ideológica. Nada explica, também, não termos feito um gesto de aproximação à Bolívia, nosso fornecedor de gás natural, nem mesmo quando aquele país viveu um governo de direita, no período de transição, antes das eleições do ano passado.

O fato é que a obstinação doutrinária fez o Brasil ver inimigos em países que nunca o foram, como a China, nosso principal parceiro comercial. Mestres do pragmatismo, os chineses estão ocupando “pelas bordas” os espaços deixados pelo Brasil no continente. Buscando repelir o “socialismo”, ignoramos nossos vizinhos, deixando-os justamente ao alcance da “bandeira vermelha" da segunda economia do mundo.

A virada de rumo para obter afobadamente a vacina chinesa, com o consequente não banimento da Huawei para o 5G, é o exemplo mais recente de que para atender nossos interesses nacionais é melhor desprezar as provocações estéreis e construir uma aliança com a China.

Precisamos urgentemente dar uma guinada em nossa política externa. Temos agora a oportunidade, e mais ainda, a obrigação de adotarmos uma diplomacia mais pragmática, que abandone de vez os dogmatismos e as ideologias.

Política externa não é optar por um lado ou pelo outro. É optar pelo interesse nacional.

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