Descrição de chapéu
Terezinha Dias Rocha

Sem medo de ser piegas, uma parceira de vida

Lia a Folha da Manhã no pé de amora do quintal

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Terezinha Dias Rocha

Poetisa, 71, é coordenadora e apresentadora do Grupo de Poetas, Cantores e Declamadores Independentes Voluntários de São Paulo e leitora da Folha há 63 anos

Fui alfabetizada nos anos 1950, quando estudei em um colégio público de Guarulhos, na Grande São Paulo. Meus primeiros contatos com a Folha aconteceram nessa época: tinha 8 anos. Minha família sempre leu muito. Minha avó, dona Santa, e meus irmãos (éramos em cinco), tinham o hábito de ler tudo o que caia nas mãos. Agatha Christie, Machado de Assis e Eça de Queiroz eram alguns nomes que faziam parte da minha infância. Também líamos revistas como Manchete, O Cruzeiro e Seleções. Até hoje me lembro do relato de crimes das páginas amarelas da extinta X-9. Incrível como essa estranha atração por histórias de mistérios persiste em mim até hoje.

Esperava ansiosamente meus irmãos terminarem a leitura da Folha da Manhã. Era como o jornal se chamava na época. Pegava o exemplar volumoso e corria para um pé de amora que tínhamos no quintal de casa. Deixava a fruta de lado para me deliciar com os classificados de imóveis. Eram anúncios de casas lindas, mas tão distantes da minha vida que indagava, na época, o significado de termos que hoje são banais, como lareira e piscina. Lembro-me que foram exatamente naqueles dias, com a Folha, que descobri a potência da leitura na minha vida.

Um pouco mais tarde, no final dos anos 1950 e começo dos 1960, o jornal trazia em um dos seus encartes perguntas de matérias escolares direcionadas —caso não me falhe a memória— a vestibulandos. Respondia e acertava quase tudo, o que me enchia de orgulho. Também mergulhava nas páginas culturais e policiais. Li na Folha histórias que até hoje me assombram, como o assassinato de Aída ​Curi e a tragédia do Gran Circus Norte-Americano.

E para vocês não pensarem que eu só acompanhava as catástrofes, um dos meus jornalistas preferidos era o colunista social José Tavares de Miranda. Achava-o de uma elegância ímpar. Aquele mundo glamoroso que ele trazia encantou muitos dias e noites da minha adolescência. Isso sem falar das matérias que o jornal trazia sobre os concursos de misses: Adalgisa Colombo, Martha Vasconcelos e Vera Lúcia Couto dos Santos. Que garota naquela época não queria ser igual a essas beldades?

Esporte nunca foi o meu assunto favorito, mas li na Folha histórias de lendas como Muhammad Ali, Éder Jofre, Maria Esther Bueno —sem falar de Bellini, Mané Garrincha, Pelé, Rivellino e tantos outros e outras que nos encantam até hoje. Acompanhava e acompanho vivamente as coberturas da Copa do Mundo. Posso dizer que viajei pelo planeta com cada campeonato que segui pelo jornal.

Não é possível escrever sobre a minha relação com a Folha sem mencionar um dos períodos mais tristes que vivemos na nossa história: a ditadura militar. Era uma época de muita repressão e, apesar de não ter participado ativamente de manifestações ou movimentos culturais, eu senti na pele tudo o que estava acontecendo quando um dos meus irmãos ficou preso por 15 dias sob custódia do Estado.

Voltou sem cinco dentes e com muitos traumas na cabeça. Acompanhava as reportagens com atenção e medo. Vem-me à memória a reportagem da batalha da Maria Antônia, em 1968, quando estudantes da USP e do Mackenzie se confrontaram. Esse episódio ocorreu logo após a prisão do meu irmão. Quantos dentes seriam perdidos neste ou em outros conflitos?

Agora, escrevendo este texto, vejo como a Folha é para mim, sem medo de ser piegas, uma parceira de vida. Parceira no sentido mais profundo que essa palavra pode ter porque nos vemos todos os dias, compartilhamos sonhos e tragédias, vibramos e choramos juntas. Impossível resumir toda a minha história com a Folha em apenas 3.500 caracteres. Afinal, estamos juntas há 63 anos.

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