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Um velho normal

Alta do gasto militar global na pandemia é compreensível, ainda que lamentável

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Bombardeiro estratégico sobrevoa Moscou na parada do Dia da Vitória - Vladimir Astapkovich/Reuters

O fim da Guerra Fria, com o ocaso e dissolução da União Soviética em 1991, trouxe uma era efêmera de esperanças para os amantes da paz.

Não era o dito fim da história, mas uma transição em que o militarismo perdera tração e sentido —o Ocidente triunfara, afinal. Seja como for, os gastos militares que estiveram na base da derrota comunista refluíram por um tempo.

Como seria previsível, o motor da geopolítica seguiu ligado e novas realidades emergiram: os ataques do 11 de Setembro, em 2001, emolduraram todo um novo ciclo de violência. Com a supressão parcial do terror, chegamos aos anos 2020 com o renovado conflito entre grandes potências.

A assertividade da China de Xi Jinping, a ressurgência da Rússia sob Vladimir Putin e os anos de Donald Trump no poder deram tons militaristas a esse contexto.

Com efeito, nas contas do prestigioso Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, de Londres, o gasto militar global deu saltos sucessivos a partir da chegada do americano à Casa Branca, em 2017.

No seu estudo anual sobre o tema, o instituto apontou que em 2020 foi mantido o ritmo de crescimento de gastos na casa dos 4% sobre o ano anterior.

Os números são impressionantes: 171 países gastaram US$ 1,83 trilhão com defesa no ano passado, o que contemplaria quase todo orçamento do Bolsa Família no período a cada 24 horas. Desse valor, nada menos que 40% couberam aos Estados Unidos, quase quatro vezes a fatia da China.

Países previdentes investem em defesa e nas cadeias produtivas a ela associadas —no Brasil, 11º no ranking de gastos, o dinheiro da área vai quase todo para pagar pessoal militar ativo e inativo.

Mas chama a atenção que tais somas tenham sido despendidas com uma atividade que tem a morte em seu centro, enquanto o mundo se engalfinhava com um vírus letal.

É sempre um tanto tacanho cotejar objetivos incomparáveis, mas não deixa de ser tentador pensar no cenário em que uma fração desse dinheiro fosse direcionada à pesquisa de fármacos e à mitigação da tragédia global em curso.

O gasto é todavia compreensível, já que períodos de incerteza sempre demandaram, ao longo da história, o reforço das fronteiras reais e simbólicas do interesse nacional.

Mas também é lamentável, pelo caráter revelador do atavismo violento que acompanha o ser humano, do tacape ao míssil hipersônico.

editoriais@grupofolha.com.br

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