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Marilena Lazzarini e Teresa Liporace

A tutela coletiva do cidadão ameaçada por instituições financeiras

Esperamos que o STF preserve o direito à Justiça de forma igualitária

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Marilena Lazzarini

Presidente do Conselho Diretor do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

Teresa Liporace

Diretora-executiva do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)

Nesta semana o Supremo Tribunal Federal poderá revisar, a pedido dos maiores bancos brasileiros, um posicionamento firme da Justiça brasileira que, historicamente, sempre garantiu a tutela coletiva dos cidadãos. A Lei de Ação Civil Pública (ACP), em vigor desde 1985, é uma conquista marcante do período de retomada democrática de nosso país, possibilitando a resolução, em um só processo judicial, de um mesmo problema que aflige milhares de pessoas, fazendo a lei valer independentemente de cor, raça, credo ou condição social e financeira.

Após perderem no Superior Tribunal de Justiça (STJ), os bancos querem aniquilar essa conquista e tornar a justiça mais inacessível aos brasileiros, restringindo as decisões de todas as ACPs apenas ao estado da federação (ou região da Justiça Federal) onde o processo foi iniciado. Se forem vitoriosos, essa aberração passará a ser a regra e o sistema de tutela de direitos coletivos será jogado na fossa!

No caso concreto a ser julgado estará em discussão uma ação coletiva ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), há 20 anos, contra 16 instituições financeiras, para pleitear a nulidade de cláusulas contratuais abusivas contidas em contratos para aquisição de casa própria pelo Sistema Financeiro da Habitação.

Os contratos ofertados nacionalmente pelos bancos claramente descumpriram regras do Código de Defesa do Consumidor. As decisões em primeira e segunda instâncias foram favoráveis aos consumidores no mérito e na abrangência nacional dos seus efeitos. Os bancos recorreram ao Superior Tribunal de Justiça, em 2009, para pedir a limitação territorial da sentença para as vítimas residentes no estado de São Paulo, tentando se livrar da responsabilidade que têm, na lei, para com os demais brasileiros que contrataram seu financiamento.

No STJ, a decisão final e de seu órgão pleno foi a de que a limitação prevista no artigo 16 da Lei de Ação Civil Pública não se aplica aproblemas causados nacionalmente, isto é, nos quais estão envolvidos direitos difusos e coletivos.

Afinal, quem não chora não mama e, em derradeira tentativa, os bancos buscaram o STF, embora saibam que o Sistema Financeiro de Habitação é federal e que as milhares de vítimas prejudicadas pelas suas más práticas, já condenadas pela Justiça, vivam em todo o país. Desta feita, tiveram acolhida favorável por parte do ministro relator, Alexandre de Moraes, mesmo tendo o STF decidido anteriormente, em inúmeras oportunidades, que tal questão não poderia ser julgada por aquela corte por se tratar de interpretação de legislação infraconstitucional. Aos brasileiros mais humildes, pesou muito o fato de o relator ter suspendido as decisões coletivas ao longo de 2020, em plena pandemia.

Caso vingue essa tese absurda, proliferarão as demandas individuais e coletivas idênticas, com potencial de abarrotar ainda mais os congestionados tribunais. E serão aprofundadas as desigualdades em nosso país, já que os direitos coletivos estarão confinados às populações com mais recursos para acionar a Justiça. O mais grave é que tal decisão afetaria a defesa de direitos fundamentais, não restritos às fronteiras territoriais, como os danos ao meio ambiente e às pessoas portadoras de deficiências, e outros.

Enfrentamos uma pandemia que nos tem ensinado que problemas que atingem a todos só podem ser remediados de maneira universal. O sistema de tutela coletiva existe para nos proteger justamente nessas situações. É um instrumento crucial para o funcionamento do sistema democrático ao distribuir a justiça para os verdadeiros detentores do poder em uma sociedade —o povo.

Se não for assim, para além do abismo da desigualdade que nos assola, o alcance da Justiça ganhará nova barreira, provavelmente intransponível e totalmente antidemocrática. Esperamos que o STF rejeite essa pretensão do poder econômico e preserve o direito constitucional à Justiça de forma igualitária.

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