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José Levi Mello do Amaral Júnior

Ações diretas e políticas públicas

São necessários filtros para melhor decantar o volume crescente

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José Levi Mello do Amaral Júnior

Professor associado da Faculdade de Direito da USP, é advogado-geral da União

​É natural —poderia escrever “tornou-se natural”, mas não, é natural mesmo— que assuntos os mais variados sejam levados ao Supremo Tribunal Federal por meio de ações diretas. A Constituição de 1988 é abrangente —típica Constituição analítica— e, assim, o parâmetro de controle também é abrangente. Soma-se a isso legitimidade ativa ampla às ações diretas, o resultado é natural: muitas ações diretas ajuizadas.

​Em verdade, a decisão que venha de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) resulta em segurança jurídica acerca do complexo normativo impugnado e da política pública a ele subjacente, seja confirmando, seja infirmando ambos. Confirmadas lei e política pública, prossegue-se sem desassombro. Infirmadas, em geral, têm-se critérios claros sobre como uma vez mais tentar colocar em marcha a política pública.

O advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral Júnior, no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 29.abr.20/Folhapress

​As ações diretas, em cada uma de suas modalidades, têm volumes crescentes de emprego, inclusive —e, talvez, em especial— por parte de partidos políticos de oposição (o que também se afigura natural, mormente considerados os já mais de 30 anos de prática da Constituição).

​Seja como for, filtros para melhor decantar o volume crescente são necessários. Um merece ser cogitado (e importa fazê-lo sem especificar uma ou outra situação que poderia servir de exemplo).

​As ações diretas —especialmente a ADPF— não podem ser banalizadas ou vulgarizadas a ponto de transmudarem-se em disputa entre maioria e minoria parlamentares. As ações diretas podem e devem proteger e promover direitos fundamentais, bem assim resguardar minorias, aí incluídas as minorias parlamentares, até porque a essência da democracia passa pela coexistência saudável e construtiva entre maioria e minoria —e, por isso mesmo, a minoria (e sua muito valiosa projeção parlamentar) pode e deve ser, insista-se, protegida e promovida.

​Para tanto, um critério de avaliação a ser tomado em consideração —que, talvez, caiba na subsidiariedade inerente à ADPF— seria não permitir que um programa político vencido nas eleições seja projetado para dentro de uma ação direta que tenha, em última análise, o objetivo de dirigir as políticas públicas para caminho diverso daquele constante do programa político que venceu nas urnas; claro, isso no pressuposto da constitucionalidade.

Insista-se: não havendo inconstitucionalidade, e considerada a moldura constitucional que, por definição, é plural (a Constituição é aberta a múltiplas formas de compreender a vida, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os direitos fundamentais da pessoa humana), não se pode pretender frustrar, pela via judicial, o programa político que se sagrou vitorioso nas urnas.

​Note-se: isso vale de lado a lado na projeção de tempo, ou seja, na sucessão de governos no tempo, o que é próprio da democracia e da transitoriedade do exercício do poder. Mais: é preciso que se tenha sempre clareza, tranquilidade, certeza mesmo, de que os órgãos de Estado atuam por meio de equipes permanentes, que são técnicas, construtivas e objetivas no desempenho de suas funções —características essas que, por si sós, também inspiram políticas públicas igualmente técnicas, construtivas e objetivas, segundo colocadas pelo governo, como é próprio à democracia, dentro da moldura constitucional.

​Não se pode ter dúvidas apriorísticas acerca dessa realidade, muito menos pretender inconstitucionalizar ou, até mesmo, criminalizar as ações políticas e administrativas decorrentes das eleições. Essa é uma compreensão que pode e deve ser dita para exato entendimento do que é próprio à democracia: a limitação do poder dentro da moldura constitucional (observado o citado artigo 17 da Constituição e todas as demais normas constitucionais que são respectivos consectários).

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