O Brasil é um Estado Democrático de Direito formado pela união indissolúvel entre Estados, municípios e Distrito Federal, como anuncia o artigo 1º da Constituição Federal.
A dicção constitucional parece simples, mas definir democracia não é uma tarefa fácil.
Tantas são suas definições que podemos dividi-las em dois grandes grupos. O primeiro define a democracia como algo procedimental, ou seja, parte da ideia de que o respeito aos procedimentos seria suficiente para garantir sua observância, como o método de escolha de governantes, eleições livres e limpas, direito a voto, proteção de liberdades civis, liberdade de expressão, autonomia de organizações, cidadania inclusiva, participação popular eminentemente argumentativa e multiculturalismo.
Por outro lado, a visão substancial de democracia aduz que o simples respeito ao procedimento não é suficiente para uma teoria da democracia e propõe uma análise fundada não só nos aspectos formais, mas também substanciais com ênfase à questão da própria busca da legitimidade democrática —ou seja, há um claro questionamento dos procedimentos à luz do seu aspecto material, o que enseja uma participação efetiva do coletivo baseada na representatividade, no controle e na ação, com a decisão tomada pela maioria, todavia, sem esmagar a minoria.
Portanto, os desacordos razoáveis são as forças motrizes de qualquer democracia e, mesmo que se adote a visão procedimental ou substancial, bem como se tenha dificuldades de definição do que seja, sabe-se perfeitamente o que não é democracia.
A pergunta que vem é: conseguimos nos aproximar do que seja uma democracia no Brasil? A resposta passa pela análise do que não é democracia.
E nossa jovem redemocratização pós-1988 parece que ficou ainda mais próxima da não democracia, por dois momentos distintos na nossa história recente: as últimas eleições presidenciais e a pandemia causada pela Covid-19.
A primeira pelo fato de que a polarização retirou do discurso político e da prática quotidiana a razoabilidade e a proporcionalidade, gerando intolerância nos debates públicos, com claro abuso de direito de liberdade de expressão, jogando às favas o diálogo.
A segunda escancarou ainda mais a nossa não democracia, pelo desenvolvimento de uma política pública de saúde antifederalista, não participativa, sem deliberação argumentativa, politizada e eminentemente pessoalizada, o que atenta frontalmente contra a impessoalidade que deve mover as instituições.
A falta de diálogo institucional e o vácuo de poder no trato da pandemia fizeram com que o sistema de freios e contrapesos estabelecido na Constituição Federal ficasse totalmente desequilibrado, com Legislativo, Judiciário e Executivo ocupando espaços midiáticos personalizados e nada institucionais.
No Brasil não democrático, juiz é herói, fake news tem valor científico, todo mundo vira médico e jurista, liberdade de expressão é confundida com libertinagem; a vacina é nacionalista; a política pública é do governante e não do Estado; e o tablado político vira um jogo de "War" em que o objetivo não é defender a soberania, a cidadania, a igualdade, a cooperação e o federalismo integrativo, mas apenas destruir os exércitos azuis ou vermelhos.
Sem qualquer viés político-partidário, o qual faz parte do jogo democrático, precisamos resgatar nossa tentativa de redemocratização idealizada pela Constituição Federal de 1988, sob pena de naufragarmos nos nossos objetivos enquanto país e nação. Mas como?
A resposta é complexa, mas podemos começar resgatando os ideários constitucionais de equilíbrio e união entre os Poderes nas três esferas de governo (municipal, estadual e federal), promover o diálogo institucional e lembrar que a democracia é um projeto coletivo.
Em suma, como diria Aristóteles: “in medio stat virtus” ("a virtude está no meio"). Isso já seria um bom começo para que não coloquemos no “tubo” nossa democracia pandêmica.
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