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João Batista Araujo e Oliveira

Desvincular recursos da educação?

Este não é o momento e a agenda é complexa, mas vale abrir a discussão

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João Batista Araujo e Oliveira

Psicólogo e doutor em educação pela Florida State University, preside o Instituto Alfa e Beto

Heresia para uns, virtude para outros. A proposta morreu no nascedouro. Certamente não era o momento —se é que haverá. Mais uma vez não houve debate —imperou “o grande consenso”. Em algum momento, a realidade irá pedir ajuste de conta. É preciso debater. É preciso ouvir o contraditório.

É preciso diferenciar entre políticas de Estado e de governo e meras palavras de ordem. Debate pode criar oportunidade para a necessária destruição criadora. Sem isso jamais teremos educação de qualidade. Apenas uma destruição destrutiva.

Desvincular receitas exige desvincular despesas, especialmente com pessoal. Este é um tema espinhoso, mas que começa a ser arranhado nos debates sobre reforma administrativa. Na educação, já passou da hora —perdemos a primeira fase do bônus demográfico, quando houve redução da demanda. E estamos prestes a perder o bônus da aposentadoria de mais da metade dos professores na próxima década.

Desvincular receitas requer regras de transição. E estas precisam ser calibradas para não precipitar ou justificar o caos. Não jogar o bebê junto com a água do banho.

Desvincular receitas requer desmontar o arsenal de obrigações e metas estabelecidas em leis que estados e municípios precisam cumprir —para resultar em nada. Num marco federativo mais arejado e mais fiscalmente justo, elas deveriam se restringir à obrigatoriedade do atendimento e à clara responsabilidade de estados e/ou municípios pelo seu atendimento. Isso é política de Estado. Vincular receitas, especialmente quando atreladas a destinatários específicos, é puro corporativismo.

Desvincular receitas requer acertar de vez a ambiguidade do preceito constitucional do “regime de colaboração”. Município que quer ser município deveria assumir a responsabilidade pela educação e possivelmente outras áreas. Discussão complexa, mas que pode ter grande alcance. Um deles é destruir a crença de que as “conquistas” de caráter corporativista equivalem a melhorias na educação.

Desvincular receitas promove eficiência. Mas política de Estado também inclui promover equidade e qualidade. Estas talvez devam ser as duas únicas áreas de intervenção do governo federal na educação básica. Isso não se faz por vinculação, mas por meio de sistemas de incentivo dinâmicos, diferenciados e com boa pontaria. Quanto mais leis, menos espaços para ajustar sistemas de incentivo.

Desregulamentar e desregular requer pesos e contrapesos. Com educação não dá para brincar. Se a responsabilidade é do município, este não poderia ter o direito de não oferecer educação de qualidade. Política de Estado seria fazer valer o poder de intervenção nos municípios. Apenas a título de exemplo: intervir em municípios que não atingissem um determinado critério num determinado prazo. Os prefeitos iriam levar a educação muito mais a sério do que o fazem hoje, pois é o seu mandato que estará em jogo. Uma pena mais leve seria o impedimento de reeleição ou suspensão de direitos políticos durante algum tempo. Enfim, para proteger as crianças não basta aumentar a eficiência, é preciso responsabilizar.

Finalmente, no bojo de uma destruição criadora, poderiam entrar mecanismos mais fáceis e fluidos que permitissem aos municípios —especialmente os menores e frágeis, enquanto existirem— se associar para lograr eficiência. Isso poderia incluir regras para transferir recursos e, no limite, a provisão privada de muitos serviços, inclusive educacionais —começando pelas cidades de menor porte. Aviso aos navegantes: o custo médio da escola pública já empata com o da escola privada.

A agenda é complexa. Este não foi e não é o momento de desvincular. Mas é preciso colocar o tema na pauta e aprender a engajar um debate de alto nível e muita profundidade.

Vale abrir a discussão —há muita gente qualificada para o debate. Debate que pode transformar a destruição destrutiva em curso numa destruição criadora.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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