Descrição de chapéu
Claudia Matarazzo

É para enfiar no fiofó de quem, deputado?

Nesse momento de luto, somos obrigados a ouvir grosserias chulas; é repugnante e inadmissível

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Claudia Matarazzo

Jornalista, é consultora de etiqueta e comportamento e autora de vários livros sobre o tema

Em qualquer ambiente —formal ou não, profissional ou de lazer—, mandar enfiar algo "lá" é considerado agressão das graves: vai muito além das boas maneiras. Pode dar briga, incitar violência, gerar um BO.

No século 18, certamente seria motivo de duelo, e com morte. No começo do século 20, ouvir algo assim justificava que o sujeito, sentindo-se muito ofendido, desferisse alguns socos no perpetrador da delicada pérola.

Mas, no Brasil de hoje, veja você, caro leitor, a que fundo de poço enlameado chegamos. Um deputado, cujo salário é pago por toda a população, mandou a mesma enfiar "no rabo" suas máscaras —justamente a única proteção comprovada e acessível em meio a uma tragédia sanitária.

A jornalista e consultora Claudia Matarazzo - Mathilde Missioneiro - 28.nov.19/Folhapress

Você se sentiu agredido? Eu muito! Temos sido sistematicamente violentados por tais grosserias que, mais do que isso, consistem em abuso. De tudo: de poder, de impunidade e de absoluta falta de educação e empatia.

“Lá vem a patricinha, com mimimi, falando em etiqueta.” Posso imaginar muita gente pensando isso e torcendo o nariz. Não se trata de etiqueta e sim de comportamento. Ação e reação, causa e efeito. Ora, por ser jornalista, percorro o país há 30 anos falando sobre compostura de um modo geral —e não pude deixar de observar o quanto os últimos dois anos têm sido nocivos e como faz mal, muito mal para as pessoas sofrerem essa violência verbal e perversidade psicológica diariamente.

Você certamente já ouviu falar o quanto doentes, mesmo em estado grave, melhoram com programas de apresentação de música, humor e grupos de leitura, que se esmeram em trazer delicadeza e bons sentimentos a um ambiente asséptico, muitas vezes relacionado à dor. A gentileza opera verdadeiros milagres!

Poderia contar histórias de várias implicâncias que foram revertidas por uma dose extra de atenção, uma frase mais gentil e até mesmo um tom de voz mais suave, falando a coisa certa.

Mas, no Brasil do inominável presidente eleito em 2018, não se passa um só dia sem que sejamos vítimas da sua incontinência verbal e de seu apreço belicoso a tudo o que possa desencadear violência e, claro, desinformação e escárnio.

Escárnio, sim! Ou dá para chamar de outra coisa a frase proferida por ele —"bundão tem mais chance de morrer"— em meio ao luto de 115 mil famílias? Nesse momento de luto, medo e incerteza, em vez de alento somos obrigados a ouvir grosserias chulas, sem a menor imaginação? É repugnante. E inadmissível.

Essa família e seus comandados adoram uma alegoria militar, mas não entendem nada de tropas. Ora, durante a Segunda Guerra Mundial, vários artistas, como Rita Hayworth e, se não me engano, Marilyn Monroe, viajavam ao encontro das tropas e se apresentavam, dando o seu melhor entre sorrisos, humor e muita arte para elevar o moral dos soldados. Funcionava à beça...

Na guerra contra a Covid-19 —que há um ano nos priva de renda, familiares e amigos queridos, para não falar de nossa liberdade—, a resposta da família bélica de Brasília é puro ódio. Zero gentileza, sorriso, zero afeto —bálsamos que nada custam, eficazes para restaurar energias.

A família de machos atléticos é unida e talvez acredite em fortificar esse elo através do palavrão, da violência verbal e dessa baixa perversidade. Mas vai dar ruim. Sempre dá. É preciso sair do estupor e acabar com essas explosões semânticas!

Chega de horror! Vamos nos inspirar nos verdadeiros mitos da nossa língua, como Camões, Fernando Pessoa, Ferreira Gullar, Clarice Lispector —que sabiam ser contundentes com poesia e chegavam à nossa alma em segundos, com versos apenas sussurrados.

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