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Alon Feuerwerker

Fica uma dica

Hoje em dia não é fácil encontrar o equilíbrio entre pluralismo e civilização

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Alon Feuerwerker

Jornalista

A Folha faz 100 anos e vem trazendo um extenso, e às vezes intenso, material comemorativo. Não poderia faltar a merecida referência aos dois personagens-chave na ascensão deste jornal à liderança na passagem dos anos 1980 para os 1990: Octavio Frias de Oliveira e Otavio Frias Filho. Às vezes, as atuais homenagens desenham retratos menos contraditórios de ambos do que foram de fato na vida real. Mas alguma redução é mesmo esperada em situações assim.

Ainda que as contradições de cada um deles tenham sido essenciais para permitir o sucesso da sua obra empresarial e editorial.

Por falar em contradições, uma de agora tem me incomodado especialmente, pois tive a sorte de trabalhar no jornal durante os anos mais agudos do período. Ali acentuou-se o esforço editorial, nascido na década anterior, de a Folha praticar certo grau de pluralismo. O pluralismo, junto com a crítica, o apartidarismo e a independência, compunha a estrutura que sustentava a imagem que o jornal fazia de si mesmo.

Era o pilar fundamental da sua autoestima. Ainda que a realidade nem sempre estivesse exatamente refletida nessa imagem. Coisa também normal.

Onde está a contradição? Num jornal que cresceu e venceu definindo-se, antes de tudo, pluralista, estranha a crescente invasão de vozes a exigir a supressão de outras vozes, quando cada autonomeado portador da “verdade” considera que estão fora do campo das “ideias aceitáveis” no debate público. E a invasão não escolhe lado. Tem de tudo, de gente que se enxerga “à esquerda” até supostos liberais.

Colocar limites em qualquer debate é sempre saudável, em tese. O problema começa quando se precisa estabelecer quem vai definir o limite. Ele costuma mudar, conforme a época e a hegemonia de um ou outro pensamento. É um processo dinâmico, uma luta permanente de contrários. E hoje em dia é só ingenuidade imaginar que vai ser fácil achar o equilíbrio entre o pluralismo e, vamos dizer assim, a civilização. Até porque o próprio conceito de “civilização” está em permanente disputa.

A busca desse equilíbrio exige bem mais arte que ciência, esta palavra tão na moda. Como fugir do relativismo sem cair na armadilha do pensamento único? Bem, em primeiro lugar é preciso saber se a pessoa quer mesmo evitar essas duas coisas. Ou se, no frigir dos ovos, está apenas interessada em instituir-se como ditador das ideias dos outros a pretexto de defender “a verdade”.

Há em todo jornal profissionais encarregados de administrar essa tensão no dia a dia, faz parte do seu “job description”. Sobre os que fazem isso na Folha, não deixa de ser um modo prático de homenagear o “seu Frias” e o “OFF”. Desejo-lhes sucesso na missão.

E para os candidatos a pequeno censor da expressão alheia, arrisco aqui um palpite. Se abriram um espaço no jornal para você dar opinião, concentre-se nisso. A alternativa é arriscada. O ofício de censor é perigoso além da conta. No mais das vezes, quem está atrás de censurar os demais acaba ele próprio vitimado quando, por alguma razão, o vento muda.

Fica a dica.

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