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Ivy Farias

O apagamento histórico é uma violência política de gênero

Bertha Lutz: voz de quem deu voz às mulheres não é ouvida

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Ivy Farias

Jornalista, é diretora de "A Voz de Quem Deu Voz às Mulheres", curta-metragem que recupera os registros sonoros da deputada Bertha Lutz

No último dia 24 de fevereiro, as mulheres feministas celebraram em suas redes sociais a marca dos 89 anos da conquista do voto feminino. O então presidente Getúlio Vargas assinou o decreto que possibilitou um grande avanço democrático e da igualdade de gênero no país. Entretanto, ainda que seja possível recordar a data, a grande protagonista dessa história foi esquecida ao longo dos anos. E, em 2021, não é diferente: Bertha Lutz (1894-1976) foi a líder do movimento sufragista e grande responsável pela conquista.

Infelizmente, a voz de quem deu voz às mulheres atualmente não é ouvida. No YouTube, por exemplo, o único registro sonoro da fala de Bertha Lutz está no curta-metragem que produzo e dirijo. A história desta mulher que foi advogada, bióloga, cientista, deputada federal, jornalista e tradutora é pouco conhecida, inclusive no movimento feminista, do qual foi precursora. E por que isso?

A bióloga e líder sufragista brasileira Bertha Lutz - Folhapress

Ainda que possamos todas viver o legado dela, a vida fora do comum de Bertha Lutz foi vítima da violência política de gênero. Pares masculinos dela ou outros de menos expressividade e importância na vida pública têm nomes de ruas, escolas, livros. Bertha dá nome a uma medalha da Câmara dos Deputados, mas e nas outras Casas Legislativas? Qual o alcance da história da luta sufragista?

Nos Estados Unidos, por exemplo, mulheres sufragistas como Sojourner Truth, Susan B. Anthony e Elizabeth Cady Stanton são retratadas em uma estátua no meio do Central Park, em Nova York. É interessante observar como naquele país a história é literalmente posta em praça pública, enquanto no Brasil as pioneiras, quando muito, estão restritas a ambientes acadêmicos.

Dada a relevância de Bertha não apenas para os movimentos sufragistas e feministas como para a política, por ter sido deputada e conseguido efetivar direitos das mulheres, fica a questão: por que ela é uma ilustre desconhecida da população? Em entrevista à historiadora e advogada Branca Moreira Alves, na década de 1970, a própria Bertha Lutz contou que sua geração “estava ocupada demais vivendo a história e cabia às próximas contá-la”.

Tendo ciência de que a história é escrita por homens, ela sabia que seria também apagada do processo e, com isso, os direitos das mulheres silenciados —tanto que organizou todos os seus documentos e os doou ao Arquivo Nacional, que atualmente conta com aproximadamente 30 registros sonoros digitalizados de Bertha.

Não reconhecer as mulheres na história brasileira e sua contribuição é também uma violência de gênero gravíssima que demanda políticas públicas próprias, como incentivo à pesquisa e fomento de iniciativas de comunicação —não apenas documentais, como séries de ficção e voltadas ao público infantil— para uma educação igualitária.

O estado de São Paulo, por meio do Programa de Ação Cultural (Proac), contemplou um projeto de história em quadrinhos sobre o trabalho de Bertha Lutz na ONU. Assim como o próprio estado teve responsabilidade ao não dar o devido lugar para mulheres como Bertha Lutz, cabe a este também reparar e mitigar tal erro ao trazer à memória coletiva o verdadeiro legado da líder sufragista à política brasileira.

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