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Bárbara Libório, Fernanda K. Martins e Mariana Valente

Violência online é obstáculo à participação política das mulheres

Pesquisa revela série de ataques discriminatórios nas eleições de 2020

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Bárbara Libório

Jornalista e gerente de projetos na revista AzMina

Fernanda K. Martins

Antropóloga e coordenadora da área de desigualdades e identidades do InternetLab

Mariana Valente

Advogada, é diretora do InternetLab e professora do Insper

Nas eleições municipais de 2020, a violência política direcionada às mulheres foi marcante nas redes sociais. Alguns números dão conta do problema: candidatas receberam, no primeiro turno, uma média de 40 tuítes diários com ofensas. Dos posts analisados, continham termos ofensivos 8,8% dos tuítes, 2,7% dos comentários no Instagram, e 9,8% dos comentários no YouTube, conforme mostra relatório final do projeto MonitorA, lançado nesta quarta-feira (24) pelo InternetLab junto à Revista AzMina. O estudo acompanhou as redes sociais (Twitter, YouTube e Instagram) de 175 candidaturas, homens e mulheres, para cargos de vereança, vice-prefeituras e prefeituras, entre setembro e dezembro do ano passado.

Os resultados são desanimadores, ainda que não surpreendentes: majoritariamente em relação às mulheres, identificamos muitas ameaças, discursos de incitação à violência e ao ódio, de desmerecimento intelectual, críticas a seus corpos, idade e pertencimento étnicorracial, e, quanto às mulheres trans, negação de sua identidade de gênero. As mulheres, em comparação aos homens que tiveram seus perfis monitorados, foram atacadas por aquilo que são: mulheres, negras, idosas, trans.

Os homens também receberam ataques, mas majoritariamente por aquilo que fizeram ou não fizeram enquanto políticos e gestores públicos —com exceção de idosos e GBT+, que também foram alvo de ódio e agressões por essas características.

O ambiente online é uma oportunidade para as mulheres, na medida em que as vozes dessas candidatas podem ser projetadas para além de limitações impostas por partidos e outras estruturas.

Ao mesmo tempo, nas redes sociais, aumenta-se a superfície exposta para ataques e discriminações de toda sorte. Diante da baixa representatividade feminina nos cargos legislativos e executivos do país (em 2021, somos apenas 16% no Legislativos e 12% no Executivos municipais), é evidente que não é possível melhorar a representação feminina nesses espaços se não houver condições para que as mulheres disputem as eleições e permaneçam em seus cargos sem temer por suas vidas ou lidar com as consequências para a saúde mental e psicológica decorrentes desse tipo de violência. A pergunta que fica é: existem instrumentos suficientes para prevenir, combater e remediar essa situação?

Nossa resposta é não. Há uma lacuna significativa na legislação eleitoral em vigor, que não conta com dispositivos para lidar com a violência contra populações subrrepresentadas na política. Não é muito diferente quando observamos a legislação ordinária: não existe um reconhecimento, na legislação brasileira, do sexismo como um problema social para além da violência doméstica —o que prejudica o endereçamento desses casos na Justiça. Além disso, faz falta um esforço coordenado entre as autoridades de investigação e acusação para lidar com a violência política, seja na esfera online ou offline, durante o processo eleitoral.

As plataformas de internet têm também um papel crucial no combate à violência política; é importante que suas ações para o período de eleições contemplem com prioridade as violências cometidas contra mulheres e outros grupos minorizados politicamente, facilitando a denúncia, melhorando o grau de resposta e dando ampla transparência às ações tomadas e suas justificações. Enfrentar a violência política deve ser parte constitutiva dos esforços para garantir a “integridade das eleições” —afinal, como dizer que uma eleição é íntegra se candidatas têm de enfrentar esse tipo de desafio?

Cabe também à sociedade civil e à academia ampliar o rol de pesquisas interdisciplinares e interseccionais sobre as dimensões da violência política e criar e fortalecer redes sobre eleições e violências (política e eleitoral, de gênero, de raça etc.). Não há igualdade na disputa se as condições da disputa não são igualitárias. Para atuar politicamente, as mulheres precisam ser asseguradas de que permanecerão vivas e saudáveis emocional e psicologicamente.

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