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A Lei de Segurança Nacional deve ser substituída por outra legislação? SIM

Mudança é determinante para conter o autoritarismo em voga no país

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Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira

Professor titular de direito constitucional da Faculdade de Direito da UFMG

Emilio Peluso Neder Meyer

Professor associado de direito constitucional da Faculdade de Direito da UFMG

A Lei de Segurança Nacional (LSN, lei 7.170/1983) é um estatuto legal da ditadura civil-militar instalada com o golpe de 1964. Fundada na doutrina de segurança nacional, a divergência política é ali tratada na lógica de que haveria um inimigo interno a ser eliminado.

A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88 buscou excluir qualquer resquício dessa doutrina —a expressão aparece na Constituição de 1988 apenas uma vez, no artigo 173 e com outro sentido normativo. Nenhuma das legislaturas no período democrático, contudo, empreendeu esforços efetivos para revogar a LSN e promover sua substituição, apesar de a Comissão Nacional da Verdade, em 2014, ter recomendado a sua revogação.

Para alguns, a LSN conteria dispositivos ainda “úteis”: ela buscaria proteger a integridade de instituições constitucionais, do território e da soberania nacional, além de criminalizar tentativas de golpe de Estado. Todavia, a velha doutrina da segurança nacional é a base de todo o diploma normativo e, portanto, contraria a Constituição de 1988. A lei permitiria a incomunicabilidade do preso ou sua custódia pela autoridade que preside o inquérito e o recurso ao Código Penal Militar para punir civis, além de usar a segurança nacional como base para criminalizar a suposta calúnia ou difamação do presidente da República e de outras autoridades.

É esse último dispositivo que tem sido inédita e reiteradamente usado para promover inquéritos policiais contra críticos do atual presidente: o número de investigações cresceu 285%. Órgãos estatais, ainda que suas condutas pudessem configurar abuso de autoridade, não veem problemas em promover requisições à Polícia Federal para tentar conter a cidadania crítica exercida pela liberdade de expressão constitucionalmente assegurada.

Casos como o de Felipe Neto, de Pedro Hallal, de professores universitários e de inúmeras outras pessoas que se posicionaram contra a condução política do governo federal em face da pandemia do coronavírus passam a ser tratados como questões de segurança nacional. A tentativa de controle da crítica pública alcançou inclusive os meios acadêmicos e científicos, com uma inconstitucional orientação do Ministério da Educação para que reitores punissem professores críticos do atual governo.

A LSN foi desafiada no Supremo Tribunal Federal por meio de ADPFs (arguições de descumprimento de preceito fundamental) e de um habeas corpus coletivo. Em algumas ações, requer-se a declaração total de inconstitucionalidade da lei. Em outras, o que se pretende é a preservação dos dispositivos que visam evitar ataques ao regime democrático, como aqueles que teriam sido desferidos pelos apoiadores do presidente e por ele próprio. Várias entidades foram admitidas como amigos da corte em tais ações, o que mostra a forte reação ao contexto persecutório e à omissão legislativa em substituir a lei. Distribuídas ao ministro Gilmar Mendes, é crucial que seja concedida cautelar para barrar os inúmeros inquéritos policiais em andamento e pressionar o debate legislativo.

A Constituição de 1988 se precaveu contra ataques às instituições, definindo como crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e a democracia.

O projeto de lei 3.864/2020 é o que busca mais adequadamente substituir a LSN de acordo com a Constituição, e o Congresso Nacional deve sobre ele deliberar imediatamente.

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