A Lei de Segurança Nacional (LSN, lei 7.170/1983) é um estatuto legal da ditadura civil-militar instalada com o golpe de 1964. Fundada na doutrina de segurança nacional, a divergência política é ali tratada na lógica de que haveria um inimigo interno a ser eliminado.
A Assembleia Nacional Constituinte de 1987-88 buscou excluir qualquer resquício dessa doutrina —a expressão aparece na Constituição de 1988 apenas uma vez, no artigo 173 e com outro sentido normativo. Nenhuma das legislaturas no período democrático, contudo, empreendeu esforços efetivos para revogar a LSN e promover sua substituição, apesar de a Comissão Nacional da Verdade, em 2014, ter recomendado a sua revogação.
Para alguns, a LSN conteria dispositivos ainda “úteis”: ela buscaria proteger a integridade de instituições constitucionais, do território e da soberania nacional, além de criminalizar tentativas de golpe de Estado. Todavia, a velha doutrina da segurança nacional é a base de todo o diploma normativo e, portanto, contraria a Constituição de 1988. A lei permitiria a incomunicabilidade do preso ou sua custódia pela autoridade que preside o inquérito e o recurso ao Código Penal Militar para punir civis, além de usar a segurança nacional como base para criminalizar a suposta calúnia ou difamação do presidente da República e de outras autoridades.
É esse último dispositivo que tem sido inédita e reiteradamente usado para promover inquéritos policiais contra críticos do atual presidente: o número de investigações cresceu 285%. Órgãos estatais, ainda que suas condutas pudessem configurar abuso de autoridade, não veem problemas em promover requisições à Polícia Federal para tentar conter a cidadania crítica exercida pela liberdade de expressão constitucionalmente assegurada.
Casos como o de Felipe Neto, de Pedro Hallal, de professores universitários e de inúmeras outras pessoas que se posicionaram contra a condução política do governo federal em face da pandemia do coronavírus passam a ser tratados como questões de segurança nacional. A tentativa de controle da crítica pública alcançou inclusive os meios acadêmicos e científicos, com uma inconstitucional orientação do Ministério da Educação para que reitores punissem professores críticos do atual governo.
A LSN foi desafiada no Supremo Tribunal Federal por meio de ADPFs (arguições de descumprimento de preceito fundamental) e de um habeas corpus coletivo. Em algumas ações, requer-se a declaração total de inconstitucionalidade da lei. Em outras, o que se pretende é a preservação dos dispositivos que visam evitar ataques ao regime democrático, como aqueles que teriam sido desferidos pelos apoiadores do presidente e por ele próprio. Várias entidades foram admitidas como amigos da corte em tais ações, o que mostra a forte reação ao contexto persecutório e à omissão legislativa em substituir a lei. Distribuídas ao ministro Gilmar Mendes, é crucial que seja concedida cautelar para barrar os inúmeros inquéritos policiais em andamento e pressionar o debate legislativo.
A Constituição de 1988 se precaveu contra ataques às instituições, definindo como crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e a democracia.
O projeto de lei 3.864/2020 é o que busca mais adequadamente substituir a LSN de acordo com a Constituição, e o Congresso Nacional deve sobre ele deliberar imediatamente.
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