Ao suceder Ernesto Araújo como chanceler, Carlos França herda um passivo não só gigantesco como inaudito e assume a função com a responsabilidade de limpar o rastro de destruição deixado pelo antecessor. São ao menos positivos, diante de tal missão, os sinais emitidos pelo novo ministro em seu discurso de posse.
Filiando-se à tradição de diplomacia profissional que quase sempre pautou o Itamaraty, e em franco contraste com Araújo, França ofereceu palavras ponderadas, um diagnóstico realista das necessidades do país e a perspectiva de um pragmatismo saudável de atuação —se poderá corresponder ao indicado são outros quinhentos.
Em seu pronunciamento, o novo ministro elencou três urgências do país a serem enfrentadas por meio da política externa: o combate à pandemia, a economia e o desenvolvimento sustentável.
Quanto à primeira, França afirmou que as embaixadas e consulados do Brasil se engajarão numa “verdadeira diplomacia da saúde”, contatando governos e laboratórios para mapear as vacinas disponíveis e buscar insumos necessários para o tratamento dos acometidos pela Covid-19.
No front econômico, defendeu, sem grandes novidades ou sobressaltos, a agenda de reformas do ministro Paulo Guedes, bem como uma relação cada vez mais estreita com a OCDE, entidade que reúne os países mais desenvolvidos.
Reside no tratamento do tema ambiental, talvez, a maior singularidade do discurso do novo chanceler.
Embora França tenha evitado tocar em pontos mais espinhosos, o mero reconhecimento da “urgência climática” planetária já revela uma distância abissal com relação ao negacionismo do antecessor e do presidente Jair Bolsonaro.
Deixam o proscênio, ao que parece, as menções estapafúrdias ao globalismo, os ataques à China e a cruzada contra o comunismo; entram a defesa sensata do multilateralismo, o diálogo objetivo com as demais nações e o enfrentamento de problemas concretos.
O sucesso de França nessa agenda mínima dependerá, em larga medida, da independência de atuação que lhe for dada —numa área cara à agenda ideológica do Planalto. Espera-se que os desastres na pandemia e a pressão dos setores produtivos contribuam para que o Itamaraty deixe de ser instrumento dos desvarios do bolsonarismo.
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