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Biden arrisca ao usar genocídio armênio para ter apoio europeu e isolar Turquia

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O presidente dos EUA, Joe Biden - Brendan Smialowski/AFP

Um dos contenciosos narrativos mais dolorosos do século 20, o genocídio armênio sempre foi usado pelas grandes potências como instrumento diplomático na sua complexa relação com a Turquia.

Situada na encruzilhada da Europa com a Ásia, a antiga sede do Império Otomano tem papel crucial para o Ocidente —ameaça no passado, hoje integrante da Otan, o clube militar liderado pelos EUA.

Ao longo dos anos, europeus e americanos foram mais ou menos críticos ao papel turco na morte de talvez 1,5 milhão de armênios nas perseguições iniciadas em 1915.

Como elementos fundadores da República da Turquia em 1922 já davam as cartas no ocaso otomano, o país sempre rejeitou a noção de extermínio, colocando as atrocidades na conta das agruras da guerra mundial que se desenrolava.

Com o advento da União Soviética, absorvendo a Armênia, a causa do genocídio foi integrada à disputa geopolítica com a Turquia.

Um novo capítulo dessa história se deu no sábado (24), quando o americano Joe Biden tornou-se o primeiro presidente do país a reconhecer o genocídio como tal.

Washington e Ancara se estranham desde que Donald Trump se recusou a extraditar o clérigo muçulmano que inspirou o golpe fracassado contra o presidente Recep Tayyip Erdogan em 2016.

O turco aproximou-se de Moscou e comprou sofisticados sistemas antiaéreos, o que irritou os EUA, que expulsaram Ancara do projeto do avançado caça F-35.

Como os atritos na Síria, na Líbia e no Cáucaso mostram, no último caso com o tempero de envolver a aliada russa Armênia, a relação com Moscou é instável, mas ao fim dá mais cacife a Ancara.

Sob a vista grossa de Trump, que espezinhava a Otan, Erdogan atormenta seus colegas, em especial a rival histórica Grécia —ambos os países disputam recursos energéticos em torno de Chipre.

A França chegou a pedir a expulsão da Turquia do grupo, algo difícil na prática: quase toda intervenção ocidental recente no Oriente Médio passou pela base turca de Incirlik, onde há bombas nucleares americanas armazenadas.

Biden sinaliza agora apoio a seus colegas europeus, após anos de insultos de Trump, e reafirma sua política de falar grosso quando há direitos humanos envolvidos.

Foi assim com aliados como o príncipe saudita Mohammed bin Salman e adversários como o presidente russo, Vladimir Putin.

Com Erdogan, Biden arrisca um pouco mais, talvez considerando que a assertividade externa turca seja a de um tigre de papel.

editoriais@grupofolha.com.br

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