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Fábio Terra

Bolsonaro, os bolsonaristas e o bolsonarismo

A relação é antes de tudo afetiva, não adiantam fatos para desaprová-lo

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Fábio Terra

Economista, professor da UFABC (Universidade Federal do ABC) e presidente da Associação Keynesiana Brasileira

Lidos pela ótica psicanalítica, movimentos de massa ocorrem quando indivíduos se juntam em torno de um objeto comum, depositando nele desejos e idealizações, e tornando a si mesmos sujeitos submissos e dedicados ao objeto desejado. Fã clubes e torcidas organizadas, por exemplo, são massas.

Movimentos de massa, claro, ocorrem também na política. No Brasil, ao menos desde fins de 2017, tem-se um movimento de massa nacional: o bolsonarismo. A partir da psicanálise freudiana, vamos analisá-lo.

Primeiro, o líder, Bolsonaro. O seu discurso é ouvido, pois é simples, populista e franco (no que não lhe acomete), e insiste em problemas com que o brasileiro convive há tempos e que vão além da economia: corrupção, violência, a política que não resolve nada etc. Além da forma de seu discurso, características pessoais de Bolsonaro contam a seu favor: carisma, mostrar-se uma pessoa comum, socialmente desimportante (do baixo clero), de hábitos simples, preocupado com sua família, conservador.

Mas por que ele como líder da massa? Arguto e ambicioso (o que muitos confundem com predestinação), ele se propôs a ser notado e lançou-se à política, sugerindo ao seu seguidor coragem e diligência. Bem-sucedido, nucleou desde os anos 1980 uma massa que, crescente no tempo, levou-o à Presidência da República em 2018. Claro que o momento do Brasil contribuiu, mas antes disso Bolsonaro ganhara várias eleições: ele não é por acaso.

Agora, os ​bolsonaristas. Não confunda o bolsonarista com o voto em Bolsonaro em 2018 para, por exemplo, evitar o PT, renovar ou outros casuísmos. Bolsonaristas são os fiéis seguidores de Bolsonaro.

Freud explica que o outro exerce quatro funções para uma pessoa: modelo, objeto, apoio e rival. Para bolsonaristas, Bolsonaro não é só líder, ele é modelo do que gostariam de ser, do que pensam ser ou terem sido. Por isso, ele é o objeto de desejo da sua massa. Perceba-se: a relação do bolsonarista com Bolsonaro é, antes de tudo, afetiva, por isso não adiantam fatos para desaprovar o presidente.

Ademais, não se espera que o seguidor tenha consciência plena enquanto membro da massa. Freud explica que o apaixonado indivíduo da massa rebaixa sua consciência e reduz sua capacidade de julgamento racional acerca do líder e de sua prática de liderança. É o popular “a pessoa está fora de si”, é tomar a ineficaz cloroquina contra a Covid-19 e rejeitar a eficaz vacina.

A relação entre seguidor e líder é de idealização: o ideal do bolsonarista idealiza Bolsonaro e nele investe afetivamente. O sujeito idealiza o líder como quem ele próprio gostaria de ser, como ele é, como ele foi. Faz-se um jogo de espelhos.

Qual a recíproca do líder na relação? O bolsonarista se sente cuidado e ouvido por Bolsonaro, ilusão comum às fantasias afetivas. O discurso simples, populista e franco do presidente, além de seu carisma e sua bem articulada comunicação nas redes sociais, intensificam a ilusão de que há uma relação entre líder e seguidor, pois sugerem proximidade e pertencimento.

Já o bolsonarismo é o resultado da relação afetiva de massa entre Bolsonaro e os bolsonaristas. Há duas funções para o outro no bolsonarismo. Por um lado, bolsonaristas se identificam entre si e funcionam como apoio um do outro. Neste nível reside a identificação, que cria uma massa homogênea mesmo formada por pessoas com grandes diferenças sociais, regionais, profissionais. A homogeneidade da massa a faz ter reações e respostas idênticas vindas de pessoas heterogêneas.

Por outro lado, todos os não bolsonaristas são rivais. O símbolo da rivalidade é o tal “esquerdismo”: PT, Doria, Globo, Folha, Huck, Rodrigo Maia. Claro, rival é qualquer um fora da massa.

Freud não guardou adjetivos para a massa: sente-se onipotente, é acrítica, crente na autoridade, intolerante, sugestionável, autômata. Semelhanças com o Brasil de hoje não são meras coincidências e também não serão se Bolsonaro vier forte em 2022, a despeito de seu abjeto governo.

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