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Rafson Ximenes

Lei Justo Veríssimo

O rico compra sua vacina, financiada pelo Estado; o pobre, que 'se exploda'

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Rafson Ximenes

Defensor público-geral da Bahia

Uma atuação do Congresso Nacional referente à vacinação chama bastante atenção. É o projeto de lei 948/2021, que propõe a alteração da lei 14.125, de 10 de março de 2021. Sim, é a proposta de alteração de uma lei que não completou nem um mês ainda. Mas isso está longe de ser a pior parte.

A lei em vigor já possibilita hoje a compra de vacinas por pessoas jurídicas de direito privado, mas com uma única finalidade: doação para o SUS. Ou seja, no momento, a compra seria uma contribuição ao país. Não criaria distinções indevidas entre as pessoas nem resultaria em lucro. Até aqui, os brasileiros não competem entre si pela saúde.

No entanto, a lei atual prevê uma mudança de cenário a partir do momento em que os grupos prioritários estiverem imunizados. Entes privados que adquirem vacinas poderão distribuir gratuitamente metade do que comprarem, para quem quiserem. O restante continuaria a ser doado para o SUS.

Organizações corporativas com grande poder financeiro poderiam adquirir para vacinar os seus. Em tese, uma empresa também poderia fazer a mesma coisa para vacinar seus empregados. Mas ninguém poderia vender. Já começaria a haver uma competição entre brasileiros, mas essa disputa não envolveria lucro direto.

O polêmico projeto de lei pode transformar a busca pela vacina em autênticos "jogos vorazes". Ele tem três pontos. No primeiro, retira da lei aquele “incômodo” trecho que evitava atrapalhar o Plano Nacional de Vacinação: a obrigatoriedade de doação para o SUS pelos compradores.

Depois, elimina a necessidade de esperar a imunização dos grupos prioritários. E tem mais: o “pedágio” de contribuição aos demais, a doação de 50% ao SUS, também deixa de ser necessário. Quem comprar pode destinar tudo ao fim que desejar.

Contudo, provavelmente não seriam mais os sindicatos que comprariam as doses. A obrigatoriedade de distribuição gratuita também seria retirada; ou seja, estaria liberada a venda, o lucro direto. É o mercado. Quem tiver dinheiro compra, quem não tiver reza.

O PL, portanto, propõe uma alteração cirúrgica, nada discreta, para permitir que empresas lucrem, que os mais ricos se vacinem e que se esqueça dos mais pobres. A cereja do bolo, porém, é o terceiro ponto.

Há um singelo dispositivo para proteger a empresa que resolver lucrar com a vacinação dos ricos. O valor que ela gastar na aquisição das vacinas será integralmente deduzido do Imposto de Renda.

Os recursos do Estado, antes utilizados para a vacinação universal, seriam desviados para a vacinação exclusiva de quem tem melhores condições financeiras, através da assunção dos riscos de empresas privadas, que, claro, ficarão com todo o lucro.

Estado mínimo, teto de gastos, reforma administrativa e PEC Emergencial só valem mesmo para diminuir ou extinguir serviços e auxílios destinados a quem não tem dinheiro. Para os abastados, o Estado é máximo. Não é a lei “meu pirão primeiro”. É a Lei Justo Veríssimo. O rico compra sua vacina, financiada pelo Estado. O pobre que "se exploda".

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