Isolado internacionalmente, o presidente Jair Bolsonaro confirmou a guinada no discurso, e por ora apenas no discurso, ambiental. A moderação e a adesão resignada ao consenso nortearam sua breve intervenção na cúpula do clima organizada pelo governo dos EUA.
Está admitida na fala do mandatário brasileiro a causa do aquecimento global —”a queima de combustíveis fósseis ao longo dos últimos dois séculos”. Não é pouco para quem costuma trilhar os labirintos do obscurantismo científico.
Também foram reconhecidos esforços de gestões que precederam a de Bolsonaro —até porque a atual não tem nada que não seja desastroso a apresentar— para evitar a liberação de carbono à atmosfera. Notável para quem costuma tachar adversários, tucanos e petistas inclusos, de “comunistas”.
O presidente do Brasil, que na campanha eleitoral e no início do governo flertou com abandonar o acordo global climático, agora reafirmou as metas nacionais de redução de emissões de gases do efeito estufa de 37% até 2025 e 43% até 2030, considerados os níveis de 2005. Cumpriu o que prometera dias antes em carta ao seu homólogo norte-americano, Joe Biden.
O objetivo de zerar o desmate ilegal até o final da década, bem como o pedido para que o Brasil seja remunerado por outras nações pelos serviços de preservação da Amazônia, foi igualmente veiculado, como havia sido antecipado.
O cotejo entre o que agora fala para o público externo o presidente da República, de um lado, e o que o seu gabinete faz na área ambiental, do outro, leva a crer que a administração federal está transitando do negacionismo não para o cerco enérgico aos aniquiladores da floresta —mas sim para o cinismo.
Afinal o governismo acaba de manifestar prestígio ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que atua contra os objetivos de sua pasta e há muito deveria ter sido demitido. O Planalto exonerou um delegado federal do Amazonas porque ele resistiu à inusitada aliança entre Salles e madeireiros para sabotar uma gigantesca apreensão de madeira.
Tudo somado, a nova retórica de Bolsonaro parece mais uma tática para ganhar tempo —ou ”enrolar os gringos”— e lançar uma cortina de fumaça enquanto as práticas ambientais nefastas continuam a ser toleradas e até incentivadas por baixo do radar. O erro está em julgar a comunidade nacional e internacional ingênua e estúpida a ponto de cair na esparrela.
Se ações eficazes antidesmate não ficarem logo evidentes, o pujante agronegócio brasileiro será punido por nações importadoras. Quando se trata de Jair Bolsonaro, a negação da negação não leva necessariamente a resultado virtuoso.
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