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O grito dos 'sem-poder'

Tornou-se urgente e imprescindível afastar o presidente da República

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Em número de mortes pela pandemia que assola o planeta, o Brasil está em segundo lugar no mundo, ultrapassando os 380 mil óbitos. E em primeiro lugar no ritmo de aumento desse número.

A perplexidade, a angústia e o medo não podem, no entanto, nos paralisar, como espectadores dessa tragédia. É o momento de um estrondoso grito dos “sem-poder”. Como o “basta!” que começa a ecoar em todo o mundo, porque o Brasil está se tornando um novo epicentro da doença, com variantes ainda mais letais.

A expressão “sem-poder” poderia vir da Bíblia, das narrativas da resistência do povo empobrecido, no livro de Daniel. Mas foi cunhada pelo dramaturgo tchecoslovaco Vaclav Havel, depois da “Primavera de Praga” de 1968, ano em que o mundo foi sacudido em toda parte por revoltas de jovens e menos jovens. Em maio, na França, protestos estudantis contra diversas formas de opressão estremeceram estruturas de poder. Não conseguiram mudanças, mas explicitaram sonhos que alimentaram a rebelião no mundo. Em junho, os jovens brasileiros se levantaram contra a ditadura militar na “passeata dos cem mil”, mas, em dezembro, veio o AI-5 de triste memória.

Na Tchecoslováquia, tudo começara em janeiro. O próprio governo, chefiado por líderes “reformistas” do Partido Comunista, iniciou a “Primavera” abrindo caminho, com reformas, para o que foi chamado de “socialismo com rosto humano”, com a descentralização da economia, a garantia de direitos dos cidadãos, a liberdade de imprensa, de expressão e de organização.

Em agosto, tropas da União Soviética invadiram o país, substituindo os governantes por títeres. Mas não puderam massacrar os “dissidentes” e “não conformistas”, como tinham feito na Hungria 12 anos antes: cidadãos e cidadãs resistiram de forma não violenta. Invertiam as placas das estradas para que os tanques voltassem para Moscou, recusavam-se a cooperar com os soviéticos. O jovem Jan Palach protestou imolando-se com fogo.

A resistência continuou. Havel e outros intelectuais escreveram em 1977 o "Manifesto 77". Foram presos. Em 1978, Havel escreveu “O poder dos sem poder”, sobre a luta dos que não tinham poder político institucional, mas, como ele próprio, resistiam. Em 1989, ano da queda do Muro de Berlim, eleições o levaram à Presidência do país. Dubcek —o presidente “reformista” destituído em 1968— tornou-se presidente do Parlamento.

Enquanto isso ocorria, o Brasil retomou, com a promulgação de uma nova Constituição, a construção de sua democracia, interrompida em 1964. Mas hoje, 32 anos depois, somos praticamente o único país em que grande parte das mortes causadas pela Covid-19 são, inacreditavelmente, provocadas diretamente pela ação e omissão criminosas do seu próprio governo.

De fato, mal iniciada a pandemia —e até hoje—, o presidente da República age como se tivesse planejado um morticínio: minimiza o caráter letal da doença, confunde a população sobre como enfrentá-la, induz o uso de medicamentos inócuos, mas de graves efeitos colaterais, emperra a compra de vacinas, desarticula serviços de saúde e obstaculiza a ação de governadores e prefeitos. E, como um psicopata, demonstra uma cruel insensibilidade com a dor dos enlutados.

Tornou-se, portanto, urgente e imprescindível afastar o presidente da República. Já não se pode esperar por impeachment nem pelas eleições de 2022. Precisamos todos apoiar a Ordem dos Advogados do Brasil e o Movimento 342 Artes, de juristas e artistas, que abriram outro caminho para esse afastamento. Em representações ao Ministério Público, imputaram ao presidente crimes previstos no Código Penal e pediram uma denúncia ao Supremo Tribunal Federal. Se a Câmara dos Deputados autorizar um processo criminal, o presidente será afastado por 180 dias.

Quarenta organizações da sociedade civil, encabeçadas pelo Centro de Estudos Bíblicos, enviaram uma Carta Aberta ao Conselho Superior do Ministério Público Federal para que essa instituição faça a denúncia e não possa ser considerada corresponsável, por omissão, pela tragédia que vivemos. A carta recebe novas adesões aqui. É preciso que milhares de “sem-poder” a divulguem e a subscrevam.

Chico Whitaker
Consultor da Comissão Brasileira Justiça e Paz

Marcelo Barros
Monge beneditino, teólogo e assessor de movimentos sociais

Rafael Rodrigues
Diretor Nacional do Centro de Estudos Bíblicos (Cebi)

Waldir A. Augusti
Filósofo, assessor de pastorais e movimentos sociais e cofundador do Instituto Padre Ticão

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