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Roberto Podval e Daniel Romeiro

O inquérito contra os procuradores da Lava Jato no STJ tem respaldo jurídico? SIM

Leviandades fizeram com que ministros fossem indevidamente investigados

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Roberto Podval e Daniel Romeiro

Advogados criminalistas

Para entender os motivos que justificam a existência do inquérito instaurado pelo Superior Tribunal de Justiça há que se retroceder a 2015 e 2016. Eram os primeiros anos da Lava Jato e, em razão dos sistemáticos vazamentos, vivia-se diuturnamente com notícias e boatos sobre o conteúdo de delações e dos próximos alvos da operação.

Nesse período, o STJ passou a viver verdadeiro clima de caça às bruxas. A partir de delações seletivamente vazadas, leviandades absolutas fizeram com que ministros da corte fossem indevidamente investigados.

Procuradores da força-tarefa da Lava Jato reunidos, com Roberson Pozzobon e Deltan Dallagnol à frente
Procuradores da força-tarefa da Lava Jato - Reprodução Facebook Roberson Pozzobon

Há que se lembrar que, não por acaso, esse era o tempo em que começavam a aportar no STJ, em larga escala, medidas judiciais contra as prisões da Laja Jato em Curitiba. E para uma operação que tinha como método usual prisões alongadas e irrevogáveis visando, precisamente, a obtenção de delações, a eventual soltura de investigados representava obstáculo perigoso ao seu êxito.

Assim, procurou-se de todas as formas pressionar os ministros do STJ a manter as muitas vezes desnecessárias prisões. Ainda que tais métodos não tenham alcançado seu desiderato, a tentativa de intimidação não pode passar em branco sem que haja, ao menos, uma investigação sobre essas ações, de forma a desvelar as eventuais tramas ocorridas, às escuras, contra uma das mais altas cortes de Justiça do país.

É disso que cuida o inquérito 1.460. Aberto a partir de determinação do presidente do STJ, Humberto Martins, com o objetivo de apurar tentativas de intimidação de ministros, coloca-se como mecanismo para combater o chamado “contempt of court” —o desrespeito à corte, entendido como o ataque à sua autoridade e que pode ser materializado em tentativa de violação da independência jurisdicional dos seus componentes.

No Brasil, o STF e o STJ têm dispositivos regimentais semelhantes (artigos 43 e 58, respectivamente), que preveem a possibilidade de abertura de inquérito a ser conduzido internamente, sem depender da iniciativa ou aquiescência da Procuradoria-Geral da República —que, no caso do STJ, aliás, manteve-se silente sobre os fatos agora investigados.

A apuração, portanto, antes de se revestir de medida que busque subjugar os envolvidos, trata de proteger a magistratura —naquilo, aliás, que esta possui de mais sagrado: a independência funcional de seus membros.

É certo que provas eventualmente tidas como ilícitas, condição que se alega em relação às mensagens de aplicativo de procuradores obtidas por um hacker, nunca poderão ser utilizadas para condenar quem quer que seja. Não há que se transigir em relação a isso, jamais. Seja contra quem for, o Estado tem obrigação de assegurar garantias tão caras a uma sociedade democrática.

Parece-nos ponto pacífico, porém, que tais provas, ainda que ilegais, podem ser usadas como meio de defesa, seja para comprovação da inocência de acusados, seja para recomposição da honra e das reputações covardemente vilipendiadas.

Esse é o caso da investigação levada a cabo pelo STJ: um mecanismo de defesa ao “contempt of court” para revelar esses ataques, investigar os meios pelos quais realizados e, assim, repor a verdade, restaurando sua autoridade como tribunal, a qual tem como um dos pilares a dignidade de seus magistrados.

Nesse contexto, não poderíamos deixar de reconhecer a validade e a necessidade de tão importante investigação, cuja condução ficará a cargo do ministro Humberto Martins, magistrado reconhecidamente sério e legalista.

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