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Ricardo Volpe e Eugênio Greggianin

O teto de gastos deve ser suspenso temporariamente para reforçar as medidas de combate à pandemia? NÃO

Propósito é garantir a estabilidade, inclusive para as futuras gerações

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Ricardo Volpe

Economista e advogado, é especialista em finanças públicas e consultor de Orçamento e fiscalização financeira da Câmara dos Deputados

Eugênio Greggianin

Engenheiro e advogado, é mestre em Poder Legislativo e consultor de Orçamento e fiscalização financeira da Câmara dos Deputados

O arcabouço fiscal brasileiro já permite atender despesas emergenciais sem suspender o teto de gastos. As despesas urgentes e imprevisíveis, abertas por crédito extraordinário, já são excluídas do teto, o que atende as destinadas ao enfrentamento da pandemia de Covid-19.

Foi do Legislativo o protagonismo na aprovação do regime extraordinário fiscal que permitiu, desde 2020, o afastamento temporário de limites e exigências fiscais de gastos emergenciais (saúde, auxílio financeiro às pessoas e aos demais entes) durante a calamidade pública. Essa legislação (emenda constitucional 106 e lei complementar 173) já trazia a ideia de preservar condições de retorno à normalidade fiscal, restringindo-se aumentos não urgentes.

Em 2021, a EC 109 (emergencial) aperfeiçoou tais normas, incluindo gatilhos com medidas de contenção de novas despesas obrigatórias. Não é o teto de gastos e sim a referida EC que fixou em R$ 44 bilhões o auxílio emergencial residual, opção política que pode ser reavaliada.

Quanto às despesas não protegidas pelo regime extraordinário, a necessidade de limites decorre de fato corriqueiro na atividade financeira estatal, onde as demandas sempre excedem a carga tributária disponível. Déficits não controlados resultam na elevação de juros e da dívida pública, sobrecarregando gerações futuras. Diante disso, é propósito das regras fiscais organizar o gasto público, corrigir excessos, modular a influência de mandatos e garantir estabilidade. Por isso devem ser mantidas. Ausentes, o país poderia estar em uma situação de maior risco.

Com déficits primários desde 2014 e descumprimento da regra de ouro desde 2019, a regra do teto garante previsibilidade à política fiscal, reduzindo incertezas da solvência da dívida pública e contribuindo para a redução dos juros e o controle da inflação. A existência de limites para as despesas primárias dos Poderes e órgãos federais garantiu caráter anticíclico às despesas e induziu reformas.

A preservação da estrutura jurídica da regra do teto, por outro lado, não afasta eventuais aperfeiçoamentos. O atual método de correção (IPCA anual), válido até 2026, não considera o crescimento populacional ou econômico. Na maioria dos países da OCDE leva-se em conta algum crescimento da economia. Ademais, a segregação do sistema previdenciário não é incomum. Em estudo anterior mostramos a viabilidade de se considerar no teto apenas o déficit e não todas as despesas previdenciárias, o que reduz distorções e condiz com a autonomia constitucional e a dinâmica dos regimes previdenciários.

As reformas aprovadas atenuam, mas não impedem o crescimento de algumas despesas obrigatórias acima da inflação, mesmo ativadas as medidas de contenção, o que implica redução de despesas discricionárias, cuja execução foi de R$ 108 bilhões em 2020. Dentre essas, cerca de R$ 70 bilhões destinaram-se ao custeio e serviços essenciais e R$ 21 bilhões ao investimento. Após a pandemia, somar-se-ão novas pressões por gastos. O desafio, portanto, será o de calibrar o teto, fixando-se limite viável capaz de conciliar tais gastos com uma trajetória sustentável da dívida.

Trata-se, portanto, de preservar o mecanismo do teto, sem prejuízo de ajustes de sua metodologia nos próximos anos, integrando-o com as demais regras fiscais voltadas à sustentabilidade da dívida, inclusive com revisão de renúncias, como previsto na EC 109 e na nova lei complementar (art. 163 da Constituição).

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