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Simone Deos e Bruno Caramelli

O teto de gastos deve ser suspenso temporariamente para reforçar as medidas de combate à pandemia? SIM

Regra é disfuncional, e sabemos que os efeitos da crise se estenderão

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Simone Deos

Economista, é professora do Instituto de Economia da Unicamp

Bruno Caramelli

Cardiologista, é professor da Faculdade de Medicina da USP

Parte da elite econômica discordou do governo quanto à gestão da pandemia em uma “carta aberta” que propõe quatro medidas: 1 - acelerar a vacinação; 2 - incentivar o uso de máscaras; 3 - estimular o isolamento social; e 4 - coordenar nacionalmente o combate à Covid-19. Apesar de necessária, a iniciativa foi tardia e suas proposições, insuficientes.

A carta não apontou que o “tratamento precoce”, apoiado por Jair Bolsonaro e não condenado pelo Conselho Federal de Medicina, é desastroso. A alegada defesa da autonomia do médico não o isenta de erro por prescrever tratamento sem comprovação. Além dos efeitos colaterais, pode induzir a relaxamento no isolamento e na vacinação.

Tampouco as prescrições da carta esgotam o conjunto de medidas sanitárias imperativas que requerem do governo: 1 - treinar profissionais para os sistemas complexos de ventilação mecânica e contratá-los imediatamente, reforçando equipes reduzidas e cansadas; 2 - monitorar o aparecimento e dispersão de novas variantes por meio de inquéritos epidemiológicos e testes; e 3 - aumentar o investimento em pesquisa, para lutar contra um vírus que faz mutações traiçoeiras, capazes de gerar quadros agressivos e resistentes às vacinas. Por fim, mas não menos importante, o documento não indicou que é fundamental o pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 durante toda a pandemia.

Sem condições para se manter em casa, isolada, a população vulnerável irá para as ruas.
Mas o Estado não está quebrado? Não, e a defesa dessa ideia é um erro do ponto de vista econômico. Basta contrastar o que está sendo feito aqui com o que vem sendo feito no governo Joe Biden: vacinação acelerada e programa trilionário de recuperação. No Brasil, como nos EUA, dinheiro é criado sempre que o governo federal gasta. O governo é diferente de famílias e empresas, pois cria a moeda que ele mesmo e a população usam, para comprar bens e serviços.

Então o gasto adicional do governo não tem limite? Claramente tem. O gasto extraordinário que precisamos no Brasil não está previsto no Orçamento aprovado para 2021 e precisará de amparo legal.

É preciso derrubar o chamado teto de gastos, que não encontra paralelo em lugar nenhum no mundo. Sabemos que os efeitos da pandemia se estenderão e, mantida essa regra disfuncional, não será possível enfrentá-los.

No futuro, é possível que o governo precise reduzir gastos se, por exemplo, não tivermos dólares para pagar os compromissos externos. No momento, temos posição confortável no balanço de transações correntes e volume grande de reservas internacionais. Uma inflação de demanda também pode exigir redução de gastos. Estamos muito longe disso hoje, pois a taxa de desocupação da população é de 14,2%, a de subutilização é de 29%, e há elevada capacidade ociosa na economia.

A leve subida na inflação que observamos —ainda dentro da meta estabelecida pelo conselho monetário— deve-se à combinação de elevação nos preços internacionais de commodities com desvalorização do câmbio. Enfrentá-la como se fosse inflação de demanda, com aumento dos juros e redução de gastos, é um erro crasso que pode custar milhares de vidas. As sugestões estão na mesa, bem como milhares de vidas e o futuro do país.

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