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Terrivelmente político

Kassio atenta contra a saúde e tem ajuda de Aras; STF deve derrubar manobra

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O ministro Kassio Nunes Marques, no dia da posse no STF - Nelson Jr. - 5.nov.20

Kassio Nunes Marques, há cinco meses no Supremo Tribunal Federal, não foi ainda o ministro “terrivelmente evangélico” prometido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Católico, com a absurda decisão de liberar cultos religiosos presenciais em meio à pandemia, o ministro deu mostra terrivelmente política de por que se deve manter o Estado separado da religião.

Sob pretexto de preservar a liberdade religiosa, Nunes Marques atentou contra o direito mais fundamental consagrado na Constituição —à vida. Em lugar do interesse geral na saúde, o ministro privilegiou o da parcela religiosa praticante da sociedade, ou, pior, dos que extraem de fiéis presentes a renda que sustenta suas igrejas.

Aglomerações religiosas compõem o que a epidemiologia qualifica como “eventos superdisseminadores”, ao reunir contaminados pelo coronavírus, num ambiente fechado, com centenas de semelhantes. Há farta literatura sobre o tema, como no caso da sul-coreana que infectou milhares após comparecer a uma cerimônia.

Por seu óbvio conteúdo controverso, a decisão não deveria ser monocrática. Nem, muito menos, baixada de afogadilho, num sábado de Aleluia, sem tempo hábil para revogação antes de que se enchessem os templos de celebrantes da Páscoa —que desta vez poderá, assim, ficar marcada pela morte, não pela ressurreição.

Custa crer que Nunes Marques tenha cometido tamanha temeridade só por permitir que a trave da religiosidade lhe impusesse cegueira jurídica. Por toda parte se espalhou a convicção de que ele, em verdade, se ajoelhou diante do credo bolsonarista que amaldiçoa o distanciamento social e os governadores e prefeitos.

Ao prostrar-se diante do bezerro de ouro palaciano, o ministro contradisse a si próprio e insultou o colegiado. Não há outra interpretação possível para o fato de ter aceitado, agora, uma arguição de descumprimento de preceito fundamental apresentada por associação evangélica à qual já recusara o mesmo direito perante o Supremo.

Nunes Marques reincide, assim, no pecado mais comum entre os 11 cardeais do STF, resumido pelo decano Marco Aurélio Mello na máxima “cada cabeça uma sentença”. Já Gilmar Mendes proferiu célere decisão contrária para forçar a inclusão do tema na pauta do plenário.

O embate motivou mais uma intervenção deletéria, desta vez do procurador-geral da República, Augusto Aras, que pediu ao STF que deixasse as decisões relativas ao tema nas mãos de Nunes Marques.

O plenário, felizmente, deliberará sobre o caso nesta quarta-feira (7). E tudo leva a crer que Nunes Marques será submetido a uma sessão de sermões bem aplicados.

editoriais@grupofolha.com.br

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