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Maristela Mafei e Lucia Reggiani

A responsabilidade das empresas na vida política do país

Espera-se que organizações sérias emitam sinais mais claros e firmes

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Maristela Mafei

Fundadora do Grupo Máquina PR, atual Máquina Cohn & Wolfe, e autora de ‘Comunicação Corporativa: Gestão, Imagem e Posicionamento’ e ‘Imprensa: Como se Relacionar com a Mídia’ (ed. Contexto)

Lucia Reggiani

Jornalista e sócia da Eleutheria Editorial, coordenou projetos de reputação digital de grandes corporações

Cabe às empresas o papel de guardiãs da democracia em governos de comprovada orientação autoritária e dispostos a perturbar a ordem política para se manter no poder?

Não é de hoje que o mundo corporativo vem sendo instigado e cobrado a participar das grandes transformações que a sociedade exige, e exemplos dessa atuação começam a se intensificar nas democracias ocidentais.

Nos Estados Unidos, chamou a atenção no início deste ano a suspensão de doações de companhias americanas a parlamentares republicanos que votaram contra a confirmação da vitória de Joe Biden no Colégio Eleitoral e defenderam Donald Trump ao incitar a invasão do Capitólio. Cortaram contribuições American Express, Comcast, Google, Facebook, Black Rock, Goldman Sachs, JP Morgan e Citigroup. E a ​Amazon classificou a manobra dos congressistas pró-Trump de “tentativa inaceitável de minar um processo democrático legítimo”.

Vale lembrar que algumas empresas enfrentaram pressão dos próprios colaboradores para se posicionar, como a Microsoft, cujos funcionários questionaram no Twitter doações da companhia aos republicanos.

Recentemente, cerca de cem das maiores empresas do mundo assinaram uma declaração publicada em anúncio no The New York Times e no The Washington Post posicionando-se contra “qualquer legislação eleitoral discriminatória”. O manifesto ataca as propostas de lei de parlamentares republicanos que pretendem acabar com a votação antecipada ou pelo correio, inibindo o voto de comunidades negras.

Entre as empresas signatárias estavam as big techs Google, Facebook, Twitter, Apple, Microsoft e Amazon; marcas como Starbucks, Levi Strauss, General Motors e Under Armour; as consultorias EY, McKinsey, Deloitte e BCG; e o gestor de ativos BlackRock.

A declaração foi organizada por Ken Chenault, ex-presidente da American Express, e Ken Frazier, presidente do conselho da Merck. À imprensa, Frazier justificou: “Para que a democracia americana funcione para qualquer um de nós, devemos garantir o direito de voto para todos nós”. Para essas empresas, a questão do voto não é política, mas cívica.

No Brasil, a manifestação mais significativa foi a carta aberta em que banqueiros e economistas cobraram do governo Jair Bolsonaro, em março, o fim do negacionismo e do ataque sistemático às instituições democráticas. Já em 2020 alguns empresários e executivos começaram a se manifestar sobre a ameaça que o atual governo representa à democracia. Entre essas vozes estão Pedro Passos, da Natura, e Pedro Wongtschowski, presidente do Grupo Ultra.

Mas é bom lembrar que o Brasil registra participação política de empresas em momentos sombrios da história. Tanto que a Volkswagen pediu desculpas publicamente em março passado, reconhecendo sua atuação na ditadura militar e lamentando a perseguição sofrida por ex-funcionários.

Algumas entidades, como a Aberje (Associação Brasileira de Comunicação Empresarial), alertam para o fato de que os fundamentos do conceito ESG (Governança Ambiental, Social e Corporativa) só podem existir e se expandir em regimes democráticos.

As empresas parecem estar atentas a pesquisas que mensuram sua credibilidade, como mostra o Barômetro de Confiança da Edelman. O indicador aponta que elas se tornaram a instituição e a fonte de informações mais confiáveis em 2020, atingindo 64% de credibilidade no Brasil.

As companhias deveriam aproveitar essa vantagem para avançar nas questões que afetam a sociedade. Espera-se que organizações sérias, que buscam a conformidade com ESG e diversidade, emitam sinais mais claros e firmes, até porque a vigilância e a cobrança por suas ações passam a ser feitas por todos os elos de seus ecossistemas, incluindo consumidores e funcionários.

Preservar o ambiente de negócios e a estabilidade dos mercados em épocas de extrema incerteza pressupõe que as empresas deixem de lado o desatualizado bordão “não nos metemos em política” para enxergarem adiante, assumindo um papel relevante em defesa da democracia.

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