Quanto mais frágeis os laços programáticos em uma coalizão governista, maior a probabilidade de surgirem episódios rumorosos de fisiologismo ou mesmo de corrupção nas relações entre governo e partidos de sua base. Começam a se conhecer melhor, agora, os custos da outrora improvável aliança entre o centrão e Jair Bolsonaro.
Está claro que o gelatinoso bloco parlamentar, desinteressado na agenda ideológica do Planalto, avança com rara voracidade sobre o depauperado Orçamento federal —a tal ponto que o presidente foi obrigado a vetar parte das despesas programadas para este ano, sob pena de incorrer em descumprimento dos limites legais.
Depois de uma avalanche de emendas de deputados e senadores à peça orçamentária de 2021, foi necessário promover às pressas um corte de quase R$ 20 bilhões em gastos, além de um bloqueio preventivo de outros R$ 9 bilhões.
Com as emendas, os congressistas buscam, como de hábito, destinar recursos para obras e outras benesses em seus redutos eleitorais. Embora tais escolhas sejam questionáveis, trata-se, em tese, de instrumento legítimo —desde que respeitadas as normas fiscais e garantidas a transparência e a lisura na aplicação dos recursos.
Na prática política, o cumprimento dessas condições nem sempre está acima de qualquer suspeita. O Brasil tem amplo histórico de desvios de verbas originárias de emendas, que em geral dependem da conivência ou no mínimo da omissão do Executivo.
Desta vez, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo afirma que se instalou no Ministério do Desenvolvimento Regional um esquema em que parlamentares governistas comandam diretamente o uso de somas elevadas —muito acima dos pouco mais de R$ 16 milhões que cada deputado e senador tem o direito de incluir no Orçamento.
A pasta, de longa tradição fisiológica, recebeu cerca de R$ 8 bilhões em 2020 e R$ 6 bilhões neste ano em emendas do relator da lei orçamentária, uma nova modalidade de intervenção do Congresso na despesa pública. Parte desses montantes recompensaria os congressistas fiéis ao Planalto.
O caso demanda esclarecimentos e investigações, em particular quanto à regularidade na aplicação do dinheiro. Certo é que a ofensiva perdulária e eleitoreira do centrão e de Bolsonaro comprometem a gestão pública num quadro de deterioração fiscal gravíssimo.
Há sacrifícios de todas as dimensões em curso. O governo se endivida para pagar mais R$ 44 bilhões em auxílio emergencial; um corte de R$ 2 bilhões inviabiliza o Censo; sob pressão internacional, prometem-se mais de R$ 200 milhões para o Meio Ambiente; uma perda de R$ 6 milhões prejudica o banco de dados de combate à corrupção.
Um cenário como esse exige a sofisticação do debate orçamentário e da negociação parlamentar. Entretanto a fragilidade política do governo desemboca em aviltamento da política pública.
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