Mais uma vez ficou evidenciada a dificuldade do sistema político em levar adiante a reforma tributária, uma das pautas essenciais para a modernização do país.
Grupos de interesse, conflitos federativos e falta de liderança do governo Jair Bolsonaro abortaram a melhor chance de avanço verificada nos últimos anos, e as perspectivas são novamente incertas.
Desta vez, a oportunidade se perde por conta de um brusco recuo regimental. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu dissolver a comissão mista que analisava o tema após a leitura do relatório final, jogando a reforma no limbo político.
A justificativa foi o prazo vencido de funcionamento da comissão, o que traria insegurança jurídica. Mas, mesmo que o argumento formal possa ter alguma procedência, a razão de fundo é a falta de acordo sobre o rumo a seguir.
A proposta apresentada pelo relator agora destituído, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), era ambiciosa, prevendo a unificação dos impostos e contribuições sobre bens e serviços, acabando com qualquer cumulatividade e instituindo a cobrança no local de destino.
Apesar de o texto contar com apoio expressivo entre especialistas, não eram poucas as dificuldades políticas. A fusão ampla desses tributos sempre foi combatida pelo governo federal, temeroso de que a negociação em torno do fim do ICMS estadual e do ISS municipal levasse a compensações a cargo da União aos entes federativos.
A ideia do governo é começar a unificação apenas do PIS e da Cofins federais, com espaço para adesão posterior de estados e municípios. Há críticas a essa opção, que não garantiria tal convergência.
Qualquer proposta parcial, entretanto, também amplia o protagonismo de interesses setoriais, numa guerra sem fim de versões de ganhadores e perdedores.
O maior responsável pela oportunidade perdida é o Planalto, que deveria conduzir a discussão e conter a voracidade dos governos regionais sobre as receitas federais.
Com a decisão de Lira, aparentemente mais alinhado à visão do Planalto, o cenário mais provável agora é um fatiamento, com maior chance de tramitação de uma reforma dos tributos federais —o que não deixaria de ser positivo, embora insuficiente.
Mesmo na timidez, contudo, há riscos. Não está claro se o governo voltará a temas controversos, como a péssima ideia de um imposto similar à CPMF, o que novamente tumultuaria a discussão.
Vai se fechando também a janela política para a outra vertente fundamental —as mudanças na taxação da renda de empresas e pessoas físicas para tornar a carga tributária brasileira menos injusta.
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